Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades - page 25

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As tentativas de construção de uma identidade nacional não ocorriam a partir de uma
exclusão da cultura europeia, mas baseavam-se nela. No caso brasileiro, particularmente,
os relatos de viajantes e naturalistas europeus foram fundamentais para o escrever da
nação. Eles elaboraram uma imagética a respeito dos costumes e hábitos da população
brasileira, realizando um amplo inventário e ordenando as gentes pelo teor étnico e pelos
costumes, perpassando sempre pela localidade. Assim criaram-se categorias como o
paulista, o mameluco, o tropeiro, o homem dos pampas, entre outras.
Parte considerável dessas memórias luso-brasileiras foi reeditada ao longo da
primeira metade do século XIX, na forma de livretos ou em periódicos, circulando junto com
uma acepção romântica de literatura nacional. Essas memórias também circulavam dentro
do IHGB:
No IHGB valorizava-se esse gênero de escrita – memória –, porque
subsidiava a história na ausência do documento – como testemunho –
sobre o fato, o personagem, o lugar, ou para preencher suas lacunas [...].
Essa acepção e uso das memórias coadunavam-se com a grande e
imprescindível tarefa que o próprio IHGB se impunha de ordenar e fundar
uma história válida e totalizante para o país, ao
colligir e methodizar os
documentos
e ao definir o modo de escrevê-la. (SCHIAVINATTO, 2003, p.
627-628).
A natureza e a gente do Brasil eram os assuntos preferidos desses viajantes. Não
por acaso, portanto, serão também os dois grandes temas utilizados pelos homens de letras
imperiais para explorar a construção de uma nacionalidade brasileira. Uma característica
interessante da prosa alencariana é que a natureza empresta qualidades ao homem:
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que
a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no
bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as
matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação
tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia
que vestia a terra com as primeiras águas. (ALENCAR, s/d, p. 12).
O índio será também um dos principais temas do romantismo brasileiro, constituindo-
se como reação política, social e literária contra Portugal e proporcionando um “retorno à
verdadeira fonte do Brasil”, signo de brasilidade.
Se para Montaigne era uma faceta da curiosidade humanista, ou ainda uma
peça que utiliza para dar o xeque-mate na Inquisição, se para Anchieta era
uma necessidade para a catequese, se para os viajantes [...] um desejo de
divulgação, se para Rousseau o achado com que, mentalmente, poderia
combater o faraísmo da sociedade parisiense [...], se para Chateaubriand
finalmente uma abertura de fronteiras, o exotismo, – para o romântico
brasileiro é uma bandeira político-social, é nacionalismo. Para o europeu, a
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