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Embora as
Cartas de Segismundo
indiquem a utilização do estilo epistolar em
colunas e se utilizem do dialeto caipira já no século XIX, verificamos que as cartas
publicadas nas primeiras décadas do século XX, em
O Pirralho
, guardam especificidades
bastante relevantes. A primeira distinção entre as duas publicações diz respeito à maneira
como as cartas foram escritas. As
Cartas de Segismundo
eram “contidas”, as expressões e
as palavras ainda não sofriam uma mudança ortográfica tão acentuada em direção ao
dialeto caipira, diferentemente das publicações posteriores que, de maneira proposital,
achincalhavam com a maneira correta da escrita. A linguagem fonética das cartas ia à
contramão dos “cânones” literários e Cornélio Pires, do qual falaremos adiante, afirmava em
um de seus textos que suas “mal traçadas linhas” eram propositais: “Preparando os meus
artiguetes a facão, escrevendo-os a maião, naturalmente não percuro fazer-bunitu; por via
das duvidas ahi fica essa declaração.” (PIRES, 09 maio 1913, não paginado) Este aspecto
demonstra que o autor estava mais interessado na aproximação com o público e na
provocação do riso do que com a norma culta da escrita.
Além do aspecto linguístico, há que se mencionar que as cartas foram publicadas em
momentos diferentes. As
Cartas de Segismundo
foram publicadas nas décadas de 1860 e
1870, já as cartas caipiras posteriores foram publicadas sobretudo nas três primeiras
décadas do século XX.
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A cidade de São Paulo passava por profundas transformações, a
população paulistana mudara em razão dos grandes deslocamentos do interior para a
capital, bem como do fluxo imigratório europeu. Estas mudanças faziam com que o mundo
urbano e o rural não estivessem mais tão afastados quanto antes e o narrador das cartas do
início do século XX não teria como objetivo principal a representação dos costumes do
homem do campo, mas sim os da cidade. Este aspecto se torna evidente, na medida em
que constatamos que o distante caipira tornara-se um dos novos habitantes da cidade.
De acordo com Antonio Cândido, (2001, p. 279-280) a industrialização, a
diferenciação agrícola, a extensão do crédito e a abertura do mercado interno, ocasionaram
uma nova e mais profunda revolução na estrutura social de São Paulo. Por causa dos
recursos modernos de comunicação, do aumento da densidade demográfica e da
generalização das necessidades complementares, os caipiras acharam-se frente a frente
com os homens da cidade. Então, tipos rurais e urbanos, sitiantes e fazendeiros,
assalariados agrícolas e operários se reaproximaram no espaço urbano.
Na maior parte dos casos, o caipira fica encantado quando chega à cidade e nutre
esperanças de uma vida menos austera. Ele atribui importância significativa à educação,
sendo comum encontrarmos registros em que o narrador da carta, e também pai, envia seu
filho à cidade para a realização dos estudos. Ter um filho estudando na “capitá” era ter
9 As cartas caipiras compreenderam sobretudo os anos entre 1910 e 1922. Em
O Pirralho
, aparecem nos anos de 1911, 1912,
1914 e 1916.