Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades - page 35

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prestígio. O caipira se assusta com o mundo novo, com a iluminação, com a tecnologia, com
os automóveis e com o cinema, mas sente certa admiração e euforia pelo que encontra no
meio urbano, como demonstrado em um registro em que o caipira e sua família chegam à
cidade de São Paulo: “Quando cheguemo na Luz e que nós dezembarquemo, quase idiota
fiquemo olhando a inluminação que tem pro dentro e pro fora desta bonita estação.”
(CONCEIÇÃO, 09 jun. 1912, não paginado)
A iluminação elétrica estava sendo implantada em São Paulo desde o início do
século XX.
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Para o caipira, porém, ainda era algo que o deixava maravilhado. O brilho da
cidade, ao mesmo tempo que fascinava, atemorizava o caipira. Os cronistas sabiam
trabalhar muito bem com estes valores e atribuíam um excesso de “caipirismo” nos
personagens, que na realidade, tinha um “significado” específico. Eles tendiam a representar
a gente do campo como não tendo o mesmo aspecto nem o mesmo valor, quando
separadas das pessoas, das coisas, dos lugares que lhes definiam. É como se o
deslocamento do meio nativo produzisse no caipira uma espécie de simultâneo
desbotamento do que se era no campo e embotamento do que se viria a ser na cidade. Este
tipo de representação sinaliza a ideia de uma metrópole que tira as coisas do lugar de onde
elas guardam seu sentido. É como se o mundo moderno avançasse de modo “obsceno” na
vida do campo, retirando-lhe toda a pureza e inocência.
A representação da cidade designa um objeto de reflexão deveras privilegiado nas
cartas caipiras de
O Pirralho
. De maneira bastante simplificada, poderíamos dizer que o
matuto, por meio da sua aparente ingenuidade, teceu virulentas críticas à realidade
paulistana, especialmente no que diz respeito a seu processo de urbanização. As cartas
questionaram os ideais modernos almejados por muitos e declararam as ambiguidades
deste processo. De modo frequente, o caipira desprestigia as construções, os valores, os
costumes, o funcionamento e a organização da cidade. Nastacio Figuêra, autor de
Calta
prus povo
, registrou em uma de suas cartas, a chegada à capital. Embora tivesse nascido
em São Paulo, Nastacio havia deixado o lugar ainda criança e desde então, só havia voltado
para a cidade natal uma única vez, aos dezesseis anos. O caipira não gostava de visitar a
cidade, pois tinha medo das invenções dos estrangeiros, que para ele, pareciam “obra de
cuisaruim”. Porém, como seu pai havia falecido, precisava visitar o advogado para tratarem
do inventário. Nastácio registra o que vê na cidade e suas mudanças:
[...] que deferencia! É um mundo di rua qui não caba mais; é um’ror di
casaria qui atrepa plôs morro mais arto i qui desci nas ribaucera, nas grota,
nus grotão mais perigoso! / É bondi sem sê puxadu plos burro cumo danti
era, uns bondi da moda, carritia, corrê-currendu, nus trio i nus fio! É gente
nas rua principá qui nem furmiga quen quen di correição é um diluvio di
10 No ano de 1905 são instaladas as primeiras lâmpadas elétricas na cidade de São Paulo, na rua Barão de Itapetininga,
contratadas pela “The São Paulo Tramway, Light and Power Company Ltda”, mais conhecida como Light.
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