Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades - page 38

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proteção relativa para seu autor ou pelo menos, uma diluição de responsabilidade entre os
componentes da revista.
A utilização de pseudônimos tinha também uma relação com a vida literária. Os
pseudônimos ganhavam vida própria, eram quase personagens, “tipos” característicos da
época. Este aspecto pode ser demonstrado por meio de dois personagens bastante
conhecidos e já mencionados de
O Pirralho
. O primeiro deles, Fidêncio José da Costa ou
simplesmente Fidêncio da Costa, que fora criado por Cornélio Pires, autor da
Correspondência da Xiririca
(1911) e da
Carta de um caipira
(1912). O outro, Juó Bananére,
criado por Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, autor das
Cartas d’Abax’o Pigues.
É
interessante notar que os dois personagens ganhavam vida própria no periódico e eram até
caricaturados por Voltolino,
13
fato que contribuía para a caracterização de ambos.
Por meio dos pseudônimos, a revista ia criando histórias e
alimentando a curiosidade
dos leitores. Era comum, por exemplo, que um personagem encontrasse o outro em algum
evento da cidade e no dia seguinte, um dos dois ou ambos registrassem o ocorrido. Na carta
abaixo, por exemplo, Fidêncio da Costa registra o encontro “infeliz” que teve com Bananére
no cinema. Fidêncio estava nervoso porque o “italiano” estava com seu “cachimbo, pitano na
cara dos outros”. Dizia ele enfurecido:
Eu virei disse p’ra elle, o catinguento animá! Num vê que aqui tem famia?
Vire seu pito p’ra lá! – Num amolle – ele falô – Num sô pedra de amollá!
Garremo na discussão, que quage dava im porquera, quano chegô-se um
mocinho! Co seu jeito de capoera, e disse p’ro tar taliano, vá imbora Juó
Bananera! (COSTA, 13 jul. 1912,
não paginado
).
Este tipo de jogo com o uso dos pseudônimos reforçava o interesse dos leitores
pelos textos e despertava a impressão de realidade dos fatos. Com esta construção, os
personagens pareciam menos fictícios e o leitor parecia não mais se lembrar de que
Bananére era na verdade uma criação de Alexandre Marcordes Machado e que o
engraçado Fidêncio da Costa era na verdade Cornélio Pires.
Outra questão que deve ser mencionada a respeito dos pseudônimos diz respeito à
atitude completamente anárquica com que os autores criavam seus nomes fictícios. Já que
os escritores não queriam nenhum tipo de reconhecimento, eles brincavam com a criação
dos pseudônimos. Este tipo de atitude fazia com que os escritores não assumissem nenhum
compromisso com o leitor e com as personalidades que eram ironizadas nas publicações.
Para termos ideia da balburdia, podemos citar um caso muito curioso que ocorreu em
Cartas de um caipira
(COSTA, 27 jul. 1912, não paginado). Ocorre que, na edição datada de
20 de julho de 1912, as tais cartas foram assinadas por “Fidêncio Jusé da Costa”, dando a
13 Voltolino era personagem de Lemmo Lemmi. Foi o caricaturista mais frequente e um dos mais brilhantes de
O Pirralho,
contribuindo com seu trabalho durante
praticamente toda a existência do semanário.
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