Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades - page 39

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entender que se tratava do próprio Cornélio Pires, que assinava Fidêncio José da Costa.
Nesta edição, o cronista teceu virulentas críticas a diversas figuras ilustres do mundo da
política e do mundo das “letras”, tais como Nho Barbibo, o Saturnino Barbosa e Jotta-Jota, o
médico e político Joaquim José de Carvalho. Na edição seguinte, datada de 27 de julho de
1912, Fidêncio José da Costa escreve sua carta muito “furioso e danado”, alegando que a
carta anterior não havia sido escrita por ele, até porque ele sofria de constipação naquele
dia. O escritor afirma que alguém enganou
O Pirralho
e os eleitores e que o falsário “bulia
com gente grossa”, que era por ele respeitada. É muito provável, neste caso, que a carta
anterior tenha sido escrita pelo próprio Cornélio Pires, que estava por trás do pseudônimo
Fidêncio Jusé da Costa. O jogo com a utilização das assinaturas fazia com que o escritor
não assumisse a culpa das virulentas críticas que haviam sido realizadas. Ademais, o
escritor se divertia e queria, ao mesmo tempo, levar diversão ao público leitor com a facécia
que ele mesmo criara.
O humor e a crítica foram os principais ingredientes das cartas caipiras de
O Pirralho.
Era por meio da linguagem estropiada do matuto que os autores provocavam o riso, ao
mesmo tempo que incitavam os leitores a refletir sobre o cotidiano da cidade. Apesar da boa
receptividade que as seções de correspondências tiveram e da maneira criativa com que
conduziram suas críticas, elas nunca encontraram reconhecimento nos círculos literários da
época. O português incorreto – por meio do macarronismo, do dialeto caipira ou da gíria das
ruas – era visto como transgressão da norma culta e funcionava como uma forma de
resistência ao linguajar rebuscado e, em alguns casos, “vazios” da elite letrada do país.
A narrativa epistolar de
O Pirralho
, um dos periódicos mais engajados e criativos da
cidade de São Paulo, constitui-se em uma das formas mais perspicazes de expressão da
época. Muitas leituras do passado cultural da cidade deixam de lado certas manifestações
ou personagens não diretamente engajados em um movimento literário ou artístico definido.
Contudo, assim como no Império, o humor seria na República uma válvula de escape,
funcionando como antídoto contra a censura vigente e tornando-se fonte preciosa de acesso
ao passado. Quase esquecidas ao longo do tempo, as cartas caipiras de
O Pirralho
guardam valor inestimável ao historiador e a quaisquer outros que queiram adentrar no
universo paulistano da
belle époque
de forma reflexiva, crítica e irreverente.
Referências
ANDRADE, Arlete Fonseca. Cornélio Pires: tradição e modernidade na cultura paulista. In:
CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 14., 2013, São Paulo.
Anais do XVI
Congresso Brasileiro de Sociologia
. São Paulo: PUC, 2013.
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