Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades - page 37

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humor. Aliás, a situação política na época conduzia a imprensa em geral a optar por algum
caminho, que quase sempre os levava a decidir entre a aceitação, o confronto ou o humor.
Podemos selecionar uma carta caipira que consideramos comprometedora do ponto
de vista político. O texto é publicado com o título
Cartas d’um caipira
e é assinada por Chico
do Butiá. Nela, o autor, é bastante irônico e tece a crítica à política militarista, em especial
ao Marechal Hermes da Fonseca, militar e, na ocasião, presidente da República; e a José
Gomes Pinheiro Machado, mais conhecido como Pinheiro Machado, braço direito de
Hermes. Além da crítica à constante instauração de um estado de sítio, o escritor ironiza
com a situação do jogo do bicho, loteria que foi criada em 1892 pelo barão João Batista
Viana.
12
O impasse entre legalidade e ilegalidade manteve-se por décadas desde que o jogo
fora popularizado na República. Foi apenas por meio da lei de contravenções penais
(decreto-lei nº 3.688), de três de outubro de 1941, que se considerou efetivamente proibido
os jogos de azar no Brasil. Na carta, o escritor acusa Pinheiro Machado e Hermes da
Fonseca de defensores do jogo, já que era algo rentável para os donos do negócio e isso se
refletia diretamente no apoio político aos dois. Além disso, “aconselha”
O Pirralho
a não ficar
publicando críticas ao jogo do bicho porque corria o risco de o Hermes decretar estado de
sítio em São Paulo. Dizia a carta: “Quem mexe com o bicho o Marechá conta logo pro
Pinhero e o Pinhero que é cabra bão meismo manda logo o Chico prende o redactó na ia
das cobra ou nos navio de guerra da marinha e assuspende a pubricação do jorná.” E
adiante, prosseguia com a ironia:
O que eu não comprendo é pruqué que chama estado de sítio uma coisa
que o Governo invento que a gente não tem socego. Quarqué coisinha tão
pegando na gente e levando pro xilindró! Lá em Santo Amaro no meu sitio
não há isso. Quando eu quero socego võ pra lá, cuida das couve, dos
repoio, das galinha, dos porco e de tudo e ninguem não vem fetuá prisão.
No sitio do Marechá porem o Chico não deixa ninguem aassocegá. O cabra
ainda bem não cochilou já tá grudado com dois sordado e pensando na ia
das Cobra e no bataião navá. (
BUTIÁ
, 06 Jun. 1914,
não paginado
)
A crítica é sarcástica e contundente. O escritor ironiza com a falta de liberdade de
expressão no governo do Marechal e com a noção de criminalidade, muito tênue na
República. A alusão à Ilha das Cobras, situada no Rio de Janeiro e que funcionava como
prisão, fortalecia o tom de denúncia. Além disso, o escritor ironiza com o manejo de
influências políticas e com a facilidade com que se decretava estado de sítio no Brasil.
Diante desta carta, podemos pensar que os pseudônimos pudessem representar uma
12 A intenção do jogo era atrair mais visitantes para o zoológico do Rio de Janeiro. De início, os visitantes do zoológico recebiam a
figura de um animal e no final do dia, o dono do bilhete com o animal sorteado, recebia um prêmio. A partir de 1894, os bilhetes
passaram a ser vendidos, transformando o simples sorteio em jogo de azar. Ver: DAMATTA, Roberto e SOÁREZ, Elena.
Águias,
Burros e Borboletas:
Um Estudo Antropológico do Jogo do Bicho. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
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