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da história. O sagrado investiu-se no vestígio que é sua negação. (NORA,
1981, p. 15).
É uma memória arquivo, dever e distância: “O passado nos é dado como
radicalmente outro, ele é esse mundo do qual estamos desligados para sempre” (NORA,
1981, p. 19). É colocada em evidência toda a extensão que dele nos separa. Não se busca
mais uma gênese, mas destaca-se a diferença, “[...] o deciframento do que somos à luz do
que não somos mais” (NORA, 1981, p. 20).
“A nação-memória terá sido a última encarnação da história-memória” (NORA, 1981,
p. 12). A expansão da memória coletiva, segundo Le Goff, ocasionada na Renascença pela
imprensa – já que “[...] não só o leitor é colocado em presença de uma memória coletiva
enorme, cuja matéria não é mais capaz de fixar integralmente, mas é freqüentemente
colocado em situação de explorar textos novos” (LE GOFF, 1990, p. 457) – explode na
Revolução de 1789. O século XIX assiste a uma explosão do espírito comemorativo. A
comemoração surge como uma necessidade de se alimentar, por meio da festa, a
recordação da revolução. Com isso aparece também a manipulação da memória, bem como
a aceleração do movimento científico destinado a fornecer à memória coletiva nacional seus
monumentos de lembrança – não é ao acaso que a preocupação com a definição de
políticas para a salvaguarda dos bens que conformam o “patrimônio cultural” remonte a essa
época.
A comemoração apropria-se de novos instrumentos de suporte: moedas,
medalhas, selos de correio multiplicam-se. A partir de meados do século
XIX, aproximadamente, uma nova vaga de estatuária, uma nova civilização
da inscrição (monumentos, placas de paredes, placas comemorativas nas
casas de mortos ilustres) submerge as nações européias. (LE GOFF, 1990,
p. 464).
Ocorre, no século XIX, portanto, uma significativa proliferação de mitologias
revolucionárias que criam um determinado tipo de memória social. Isso não acontece
apenas na Europa, mas também aparece de maneira significativa na América, em
decorrência das revoluções que deram origem a novas nações. Assim,
Os novos grupos governantes precisam fazer com que essas grandes
convulsões sociais e políticas pareçam naturais, heróicas, legítimas e justas
para permitir que a população em geral extraia algum sentido de suas
experiências de guerra interna, desorganização social e morte. As práticas e
instituições sociais pós-revolucionárias [...] colaboram para deixar a marca
da inevitabilidade no violento desaparecimento do antigo regime e
surgimento do novo. (YOUNG, 2008, p. 267).