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N’ardente cobiça dos povos d’além. (VELHO DA SILVA, 06 set. 1868, p.
3226).
Essa imagem do “gigante que dorme” e do “gigante que acorda”, e que estará
presente ao longo do poema, refere-se ao próprio país. Assim, o Brasil é “gigante pela
própria natureza” e está “deitado eternamente em berço esplêndido”, como consta na letra
definitiva do Hino Nacional Brasileiro, de 1922. Ou seja, não apenas o país é extenso, mas
está situado num berço esplêndido, numa terra cheia de riquezas naturais. E essa ideia do
“país tropical, abençoado por Deus, e bonito por natureza”, contida ainda na música de
Jorge Ben, faz parte do mito fundador da identidade nacional brasileira. O Brasil era
representado como o próprio paraíso perdido, o Jardim do Éden. Essa imagem, repetida
desde a carta de Caminha, e confirmada por outro símbolo nacional, a bandeira do Brasil,
aparece amiúde nesse poema.
A representação do “gigante dormindo” também remete à mitologia grega. Por terem
se rebelado contra Zeus, os gigantes foram por este aniquilados e transformados em
montanhas, ilhas e montes. Dessa forma, a declaração de que o gigante acordou relaciona-
se, ao mesmo tempo, com a volta ao estado anterior do gigante/natureza, e, num sentido
figurado e metonímico, com o povo habitante dessa natureza, que passa a ter uma
consciência mais crítica. As manifestações populares no Brasil em junho de 2013 são um
exemplo dessa última acepção.
Voltando ao poema de José Maria Velho da Silva, na primeira estrofe da primeira
parte do poema o gigante dorme tranquilo e nem pensa “na cobiça dos povos d’além”; na
segunda estrofe novamente ele “nem sonha que raças estranhas“ “demandem seus ínvios
palmares”:
Em torno vigiam-lhe altivas montanhas
Os rios, os campos, as selvas, os mares,
Por isso nem sonha que raças estranhas
Afoitas demandem seus ínvios palmares; (VELHO DA SILVA, 06 set. 1868,
p. 3226).
E após duas estrofes de descrição da rica natureza que esconde “tesouros sem fim”:
Os plainos, os vales, as serras erguidas,
Os bosques frondosos, as límpidas fontes,
O ouro das terras, as gemas luzidas,
Seu sol que matiza seus púrpuros montes,
O centro das matas, as brenhas sombrias,
As grutas que guardam a opala e o rubim;
O dorso alteroso de mil penedias,
Que escondem no seio tesouros sem fim. (VELHO DA SILVA, 06 set. 1868,
p. 3226).