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A nação que se pretendia erigir no século XIX almejava os padrões de vida modelo
europeu. A fim de alcançar esse intento, a educação foi elencada como a forma mais eficaz
na tarefa de civilizar as populações tidas como bárbaras e/ou incompletas, passíveis de
serem tuteladas. Esperava-se que, com assimilação formal dos conteúdos programáticos,
se atingisse uma completa transformação do indígena, tirando-o das “brenhas” e tornando-
os atores políticos e que comportassem um pensamento racional e analítico de modo que
essas experiências lhes possibilitassem a superação da barbárie e fossem, então,
incorporados à “nação” (ARNAUT DE TOLEDO; PEREIRA NETO, 2010, p. 403).
Nesse processo de edificação da nação brasileira, a questão indígena entrecruzou
todos os outros problemas de maior relevo na construção das principais instituições políticas
e jurídicas do Brasil, tais como a delimitação do território, suas fronteiras, a população
pertencente ao território e considerada apta para participar do processo do político.
Para muitos atores envolvidos nesse processo, a nação brasileira viria a se
cristalizar, do ponto vista de sua população, na medida em que ela conformasse em grupos
mais unidos e coesos, para que se superasse a heterogeneidade representada na constante
presença do negro (escravo) e do indígena. Entretanto, se aos negros escravos, o único
caminho era o aguardar da “gradual” abolição que se impôs no país, aos indígenas eram-
lhes aventados, primeiro a saída das “brenhas”, que significava a perda da identidade
primordial do índio e a adoção dos modos civilizados, que supostamente os conduziriam ao
corpus
dos cidadãos do Império.
A emancipação política do Brasil marca o início de uma longa tradição de propostas
e modelos oferecidos por homens letrados, pensadores e intelectuais diversos para
superação da sujeição secular imposta pela metrópole à colônia americana. Esse jugo se
caracterizava por uma constante tensão, fruto da diversidade étnica e cultural extremamente
dissonante, que pretendia ser superada com a edificação de valores comuns, em síntese,
aquilo que José Murilo de Carvalho (2001) denominou de “longo caminho à cidadania”.
É conhecida a exposição de José Bonifácio de Andrade e Silva apresentada à
Assembleia Constituinte em 1823, na qual o mineralogista salienta que “Amalgamação muito
difícil será a liga de tanto metal heterogêneo, como brancos, mulatos, pretos livres e
escravos, índios etc. etc. em um corpo sólido e político” (ANDRADA E SILVA, 2002, p. 221).
A proposta de Bonifácio era de criação de um elo entre os mais diversos segmentos
sociais da nação, para que o Brasil conformasse um “povo” e assim despertasse um
sentimento de pertencimento comum a uma mesma comunidade nacional. Para tanto, era
imperioso que se abolisse a escravidão e promovesse a integração das populações
indígenas (VARELA, 2009).