Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades - page 201

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Raimundo Magalhães não se contém diante de tamanha incoerência e usa de dois
recursos literários, as reticências e o ponto de exclamação, a fim de enfatizar a mudança
total de posicionamento do biografado.
Após anos de ataque à Igreja, Rui resolve dar mais uma mostra da sua notável
incoerência, segundo a narrativa de Magalhães, ao passar a defender a Igreja.
Rui tenta conciliar a atitude antiga com a nova, que a partir daí vai tomar.
Todo o seu trabalho consiste em atenuar o alcance dos ataques pretéritos,
em fazer crer que não falara tão mal assim da Igreja [...] que fora, antes, um
defensor da fé verdadeira contra os que a falsificavam ou desvirtuavam.
(MAGALHÃES JUNIOR, 1979, p. 24).
Existem dezenas de passagens na biografia nas quais o narrador apregoa que uma
das características da personalidade de Rui era a incoerência. Em cada capítulo há pelo
menos duas ou três referências à mudança de posição da personagem estudada. Como é o
caso de quando Rui, durante a gestão do Visconde de Ouro Preto na pasta do Ministério da
Fazenda, criticava duramente as políticas de emissão de moeda adotadas pelo governo e
que beneficiava uns poucos banqueiros, entre eles o Conde de Figueiredo, alvo certo e
corriqueiro dos ataques do jurista baiano.
Todavia, ao assumir a mesma pasta pouco tempo depois, quando da demissão do
Visconde de Ouro Preto, que, aliás, saíra justamente por causa da pressão do próprio Rui,
este último implementa exatamente as mesmas políticas financeiras de seu antecessor e
pior, em benefício particular do Conde de Figueiredo, intensamente detratado anteriormente
por Rui por meio de artigos em jornal (MAGALHÃES JUNIOR, 1979, p. 75).
Ao longo da obra, o narrador deixa transparecer o trabalho de pesquisa
historiográfica de Raimundo Magalhães Junior na construção não somente de uma
personagem verossímil, mas também da trama histórica e social do período em que esta
viveu.
Um dos documentos mais valorizados pelo biógrafo em toda a obra se refere às atas
do Governo Provisório divulgadas por meio de reportagem do jornal
O Dia.
A questão é: Por
que Magalhães considera estes documentos tão importantes? A seguinte passagem pode
nos dar uma ideia: “Onde pode ser buscada essa verdade relativa, senão no texto das
próprias atas, que contam na sua linguagem típica o que se passou nas reuniões secretas
dos membros do Governo Provisório?” (MAGALHÃES JUNIOR, 1979, p. 148-149).
A ideia que o biógrafo tem do documento perfeito, se é que isto existe, quando a
busca é a verdade, são os arquivos oficiais. E por que se pode confiar neste tipo de
documento? Segundo o narrador, porque estariam praticamente isentos de interesses
externos em sua confecção e, por esta razão, conteriam um grau muito elevado de
confiabilidade.
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