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intensidade – maior ou menor – da escrita biográfica e como se estabeleceram ao longo dos
anos as relações entre biografia e história.
Podemos evidenciar, entre as várias discussões presentes no trabalho de Dosse, a
análise que o autor desenvolve em torno do caráter híbrido do gênero biográfico. Nas
palavras dele, enquanto:
Gênero híbrido, a biografia se situa em tensão constante entre a vontade de
reproduzir um vivido real passado, segundo as regras da
mimesis
, e o polo
imaginativo do biógrafo, que deve refazer um universo perdido segundo sua
intuição e talento criador. Essa tensão não é, decerto, exclusiva da
biografia, pois a encontramos no historiador empenhado em fazer história,
mas é guindada ao paroxismo no gênero biográfico que depende ao mesmo
tempo da dimensão histórica e da dimensão ficcional.
(DOSSE, 2009, p. 55,
grifo do autor).
Vale destacar que a biografia não fica presa apenas à condição criadora do biógrafo,
condição esta que Dosse denomina “arte”. Na verdade, o gênero biográfico busca estar
contemplado pelo verídico, nas fontes escritas, nos depoimentos orais, existe no biografismo
a preocupação em dizer a verdade sobre a personagem biografada.
Mais do que aferir o quanto de verdade ou ficção se encontra presente na obra de
Raimundo Magalhães, nos interessa entender o processo de narrativa do autor, como ele
preencheu as lacunas documentais, a forma, o caminho de criação do autor.
Reflexões sobre a escrita biográfica tornam necessário fazer referência ao texto
A
ilusão biográfica
(1996), de Bourdieu. O autor defende que a elaboração de uma narrativa
de vida é uma “ilusão biográfica”, pois, para ele, é questionável o tipo de biografia marcada
por uma ordem cronológica e linear, que estabelece um sentido teleológico para o indivíduo.
Bourdieu afirma que, nesses casos, não são levados em conta as peculiaridades do
contexto, e as especificidades da trajetória do indivíduo tornariam escolhas, ações e
personalidades múltiplas, plurais e, em determinados momentos, também contraditórias.
O autor aponta que para escapar da tradição biográfica seria necessário reconstituir
não somente o contexto, mas também a conjuntura social na qual estava inserido o
indivíduo, respeitando os vários campos e momentos da vida, ficar atento aos documentos e
às redes de sociabilidade em que o indivíduo biografado esteve inserido.
Levi e Dosse criticam a perspectiva apontada por Bourdieu. Para o sociólogo francês
não é possível vencer a “ilusão biográfica” no processo de elaboração da escrita da biografia
e esta seria o produto das tentativas de se descrever uma vida de modo cronológico, linear
e teleológico. Dessa forma, o autor propõe o estudo das trajetórias dos indivíduos ligando
seus percursos, singulares e marcados por pluralidade de ações, em meio aos campos que
estariam inseridos.