Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades - page 200

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chama a atenção na escrita biográfica de Raimundo Magalhães Junior. O período abrangido
pela obra vai de 1876, que é quando Rui aparece em cena pela primeira vez, até o seu
falecimento em 1923.
Dessa forma, pelo fato de os capítulos serem construídos em torno de um tema, é
comum o avanço e o retorno no tempo. O resultado é uma teia narrativa na qual fica a
sensação de multiplicidade e de simultaneidade dos acontecimentos. Este é o efeito
perseguido por Magalhães: em vez de enfileirar fato atrás de fato, numa linearidade que não
corresponde aos avanços e reviravoltas da vida, o narrador conduz o leitor através dos
capítulos que são verdadeiros microcosmos das ações do biografado em relação àquele
tema ao longo da vida.
Por exemplo, ao tratar da questão religiosa, no primeiro capítulo, o narrador
apresenta o “nascimento” político de Rui em 1876, descreve e analisa suas ações no âmbito
deste tema até o ano de 1910. No capítulo seguinte, a fim de tratar do pensamento político
de sua personagem, o autor retrocede até o ano de 1880. Isto mostra que a intenção do
biógrafo não é seguir uma trilha linear e sim elaborar uma narrativa que prima muito mais
pela simultaneidade dos fatos.
Um dos fios condutores da narrativa é a busca de Raimundo Magalhães em provar
que Rui era uma pessoa incoerente. Uma das passagens mais célebres da biografia é a que
trata da tradução de Rui de
O Papa e o Concílio
, de autoria do teólogo alemão Joseph Ignaz
Von Döllinger. Além de traduzir, Rui escreve ainda um prefácio e vai além, juntando a este
uma “‘introdução do tradutor’, não menor do que o livro do teólogo germânico”, ironiza
Raimundo Magalhães Junior (MAGALHÃES JUNIOR, 1979, p. 14).
Um dos pontos defendidos por Rui contra a Igreja era a necessidade de se criar uma
lei que garantisse o casamento civil, já que na época da edição de
O Papa e o Concílio,
em
1877, o monopólio do casamento era da Igreja. A incoerência que o narrador de Magalhães
identifica em Rui é que este apressa o seu próprio casamento, receoso de que depois do
aparecimento do livro nenhum padre quisesse realizar sua união matrimonial (MAGALHÃES
JUNIOR, 1979, p. 15).
Outra medida reclamada por Rui na introdução de
O Papa e o Concílio
era a
extinção do juramento de fidelidade à religião do Estado pelos que ingressassem em cargos
públicos ou mandatos legislativos.
Contudo, quando se empossa como deputado geral, cai na mais espantosa
das contradições. Quer abolir tal juramento e manda, no entanto, que os
deputados vão prestar o de fidelidade à Constituição e à dinastia perante
uma autoridade... eclesiástica. E, mais ainda, ao fim de uma missa!
(MAGALHÃES JUNIOR, 1979, p. 18).
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