Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades - page 218

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continuou escrevendo, sendo reconhecida como romancista, memorialista, além de autora
de literatura Infanto-juvenil
3
, o que salienta que a escritora tinha, de fato, um talento real e
que, diferentemente de seu esposo que era um romancista por excelência, acabou
escrevendo, em sua maioria, livros de memórias:
Talvez a prejudique o fato de ser mulher de Jorge Amado, porém aquele
que conseguir vencer o preconceito e se debruçar sobre as páginas urdidas
por Zélia Gattai descobrirá a criadora autônoma de uma arte literária que
flagra com requintado humor e encantadora influência a matéria mesma da
vida. Uma vida intensamente em páginas que pulsam sob voltagem de uma
generosa humanidade. (JORGE, 1992, p. 2).
O trecho relatado acima foi escrito na década de 90, período em que a escritora já
havia escrito outras obras e já era reconhecida no campo literário, mas sofreu críticas desde
o princípio, pois, inúmeras vezes, a sua escrita foi alvo de comparação com a escrita de seu
esposo por muitos literatos que, por preconceito, só conseguiam “aceitar” Zélia como uma
esposa ideal e companheira, jamais como uma escritora ocupando o seu espaço. Em meio
a tantas críticas, ela também recebeu o apoio, o incentivo e o reconhecimento tanto de
muitos leitores brasileiros quanto de alguns literatos que perceberam que Zélia era, sim,
uma escritora com um talento próprio, não era romancista, mas uma “contadora” de
histórias, como ela mesma gostava de intitular-se.
As memórias de Zélia Gattai em
Anarquistas graças a Deus
(1979)
Em sua primeira publicação, no final da década de 70, o seu foco central foi narrar as
histórias de seus antepassados italianos que vieram ao Brasil com o intuito de criar uma
colônia anarquista, colônia tão idealizada por seu avô paterno que havia lido o livro do
escritor Giovanni Rossi
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intitulado
I Comune in Riva Al Mare
, que pretendia construir uma
colônia em que fosse criada uma sociedade livre, justa, sem, leis e religião em algum país
da América Latina.
Essa leitura foi importante na vida de seu avô Arnaldo Gattai porque logo se
organizou com a família e embarcou no ano de 1890, no navio Città de Roma
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, juntamente
com a sua esposa e mais os cinco filhos e um grupo de pessoas de diversas classes sociais
e profissões como médicos, engenheiros, camponeses e operários e alguns criminosos
3
Zélia Gattai foi eleita para a cadeira de número 23 da Academia Brasileira de Letras, antes ocupada por Jorge Amado no ano
de 2001, tomando a posse em maio de 2002, sendo a primeira viúva de um acadêmico a ocupar a ABL e a quinta mulher a
ocupá-la.
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Giovanni Rossi (1856-1943), italiano de Pisa, foi agrônomo e veterinário de profissão formado em 1875 pela escola de Pisa.
No ano de 1893, ele se vinculou à Associação Internacional de Trabalhadores (AIT) e propôs a construção de uma colônia que
foi inicialmente pensada na Polinésia.
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Città de Roma é também um título de um dos livros da escritora publicado no ano de 2000, nele Zélia aborda novamente as
questões relacionadas à imigração de seus antepassados italianos ao Brasil, como fez em sua primeira publicação, a diferença
é que há, nesta outra publicação, algumas fotos de seus familiares.
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