Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades - page 141

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carnavalescos. Minha filha de nove anos estava ao meu lado quando eu
folheava um desses números. Deixaram-me encabulada todos aqueles
umbigos de fora. O que aconteceu com a tirolesa, o chinês, a espanhola?
Estou interessada em saber se o
nice clean fun
de outrora desapareceu
para ceder ligar a uma exibição de mau-gosto? (O LEITOR..., 16 mar. 1968,
p. 135).
Em resposta à carta da leitora,
Manchete
argumenta que de fato muita coisa mudou,
“não só aqui, e não só no carnaval”. No comentário da leitora fica perceptível que mesmo
em se tratando de uma festa carnavalesca, determinados comportamentos e trajes eram
vistos como inadequados. O desnudamento do corpo feminino (mesmo que parcial) não era
entendido por muitos como forma de extravasamento e manifestação da sexualidade, mas
somente como exibição, sem significação alguma. É importante frisar, como bem salientou
Mary Del Priore, que os adultos dos anos 1960, e até mesmo dos anos 1970, foram
educados por pais extremamente conservadores e regras de comportamento muito rígidas
lhes deviam ter sido inculcadas (PRIORE, 2012, p. 302). Muitas mudanças, sobretudo as
que se referem aos novos papéis sociais assumidos pelo feminino e a assunção pelas
mulheres do seu corpo e da sua sexualidade, não foram aceitas tão facilmente como
poderia se imaginar.
Vestir-se de indígena durante os festejos momescos significava, portanto, para as
mulheres, a possibilidade de evidenciar mais o corpo – comumente sujeito às diversas
imposições – e ter o consentimento para tal atitude por estar trajando uma fantasia. Foi
especialmente a partir da década de 1960 que as fantasias inspiradas em temas indígenas,
pouco usadas pelos foliões em épocas anteriores por revelar partes do corpo normalmente
encobertas no cotidiano, começaram a aparecer em maior número nos folguedos de salão.
Resultado da transformação dos trajes, da revolução sexual e do próprio papel da mulher na
sociedade, as fantasias, de forma geral, sofreram modificações, ganhando novas formas e
significados. Dentro desse contexto, a escolha de trajes indígenas para brincar o carnaval
não se dava por acaso, já que possibilitava às mulheres o desnudamento de seus corpos e
a manifestação de sua sensualidade, tantas vezes objeto de regulações e proibições.
O desnudamento parcial do corpo é perceptível nas imagens a seguir. Ambas as
mulheres, trajando fantasias de inspiração indígena, demonstram alegria e descontração ao
brincar o carnaval no famoso Baile das Estrelas, realizado no Hotel Glória. Este festejo,
promovido todos os anos no mesmo local, era conhecido pelo clima de maior licenciosidade,
manifesto nas atitudes e nos trajes mais ousados, bem como pela presença de mulheres
bonitas. Na Figura 1, datada de 1963, a identificação da fantasia de indígena ocorre
especialmente pelo imenso cocar usado pela foliona e pelas penas escolhidas para montar
o seu traje carnavalesco. Já na Figura 2, igualmente de 1963, a mulher travestida de
1...,131,132,133,134,135,136,137,138,139,140 142,143,144,145,146,147,148,149,150,151,...328
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