Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades - page 151

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Caminha escritas a bico de pena à moda portuguesa e enviadas ao reino de Portugal. De
certo modo, há uma tentativa de registrar e documentar algo que caracteriza a identidade de
um povo, sobretudo do povo indígena que aqui vivia tranquilamente em um espaço distante
das grandes metrópoles e do desenvolvimento urbano, o qual se ampliava no mundo
civilizado europeu.
Assim, embora a história oficial e o retrato do país tenham se iniciado com o registro
escrito nas letras portuguesas, a obra de Andrade e Silva (1999) demonstra que muitas
histórias já perpassavam oralmente pelos territórios da terra de Santa Cruz. A história em
registro escrito tem um marco para o mundo que se dizia civilizado. Entretanto, os
habitantes das terras brasileiras viviam em um estado outro, diferente dos anseios do
mundo europeu, pois a vida “[...] era uma tranquila fruição da existência, num mundo
dadivoso e numa sociedade solidária” (RIBEIRO, 1995, p. 47). Assim, quando os europeus
adentraram as terras brasileiras, os índios os perceberam “[...] como um grande
acontecimento espantoso, só assimilável em sua mítica do mundo. Seriam gente de seu
deus sol, o criador – Maíra –, que vinha milagrosamente sobre as ondas do mar grosso”
(RIBEIRO, 1995, p. 47). Essa cena era de difícil interpretação para o olhar indígena.
Posteriormente, a visão idílica que se instaurou com a chegada do colonizador
dissipou-se lentamente, pois há uma anulação e reversão “[...] no seu contrário: os índios
começavam a ver a hecatombe que caíra sobre eles. Maíra, seu deus estaria morto? Como
explicar que seu povo predileto sofresse tamanhas provações? (RIBEIRO, 1995, p. 47).
Muitos preferiam morrer a permanecer vivos diante dos espantosos acontecimentos. De um
lado, o português não compreendia tanta beleza e tanta vida inútil: “Que é que produziam?
Nada. Que é que amealhavam? Nada. Viviam suas fúteis vidas fartas, como se neste
mundo só coubesse viver” (RIBEIRO, 1995, p. 45). De outro lado, “[...] aos olhos dos índios
oriundos do mar oceano pareciam aflitos demais. Por que se afanavam tanto em seus
fazimentos? Por que acumulavam tudo, gostando mais de tomar e reter do que dar,
intercambiar?” (RIBEIRO, 1995, p. 45). Desse modo, podemos notar o quanto é necessário
apreender a cultura de cada povo e em cada tempo.
Os índios, conforme assinala Darcy Ribeiro (1995), conheciam a natureza e havia
um espírito para cada coisa. Eles não sentiam necessidade de furtar objetos alheios. Para a
aprendizagem dos fatos cotidianos ou dos grandes eventos, ou mesmo das passagens
significativas experienciadas pelos sujeitos em diferentes fases da vida, evocava-se a
presença dos mais velhos. Estes guardavam um modelo, uma herança e uma tradição. Essa
tradição ou costumes podem ser percebidos tanto nos estudos da Sociologia, da
Antropologia e da História, quanto na história da produção literária brasileira. Isso tanto com
base nos estudos teóricos e críticos, como nas produções romanescas, uma vez que o
Romantismo traz à tona esse caráter não apenas dos costumes e do passado, mas
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