Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades - page 155

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brusca e dolorosa, ou da infância para a vida adulta. A índia fica horrorizada com o velho
que vê a sua frente. Além disso, o objeto idealizado é totalmente destruído. Ela sonhava
com uma estrela brilhante, aquela que ficava no firmamento e, ao deparar-se com uma
figura frágil e envelhecida, vem a frustração. Do mesmo modo, para que a estrela se
transforme em homem, há necessidade de uma condição primeira, deixar as experiências
da infância e vincular-se com a figura feminina, deparar-se com as diferenças e enfrentar as
dificuldades que perpassam nas relações entre homem e mulher.
A maneira como se dá a constituição das personagens abre espaço para o leitor
vivenciar a ficção de forma peculiar. Temos uma índia formosa e outra índia extremamente
sensível. Esta se revela apta a enfrentar a relação com o outro, somando-se à estrela. Seu
enlace nos remete à simbologia do espírito, sobretudo do “[...] conflito entre as forças
espirituais (ou de luz) e as forças materiais (ou das trevas). As estrelas transpassam a
obscuridade; são faróis projetados na noite do inconsciente” (CHEVALIER; GHEERBRANT,
2003, p. 404). Desse modo, atemo-nos ao aspecto simbólico da história que não quer tratar
apenas de uma escolha, mas dos processos inconscientes que determinam o momento de
escolha e a passagem de uma situação para outra. A estrela da manhã tem um significado
que nos remete ao crescimento e à conservação da espécie, seja humana seja animal. No
texto, representa o homem que “[...] não pode mais regressar a sua forma original”
(ANDRADE E SILVA, 1999, p. 24). E esta estrela não morre, ela aceita as condições que a
realidade lhe oferece e procura um sentido para a sua nova forma de existência.
A condição de Thaina Khan dialoga com o que Campbell, em entrevista a Moyers,
afirma sobre a trajetória da vida humana. Para este estudioso, sempre estamos à procura de
“[...] uma experiência de estar vivo, de modo que nossas experiências de vida, no plano
puramente físico, tenham ressonância no interior do nosso ser e da nossa realidade mais
íntimos, de modo que realmente sintamos o enlevo de estar vivos” (CAMPBELL, 1990, p. 5).
Assim, Thaina Khan rejuvenesceu, transformou-se em um homem belo. Essa beleza vai
além das questões físicas, estende-se à condição interna do sujeito que dá conta de uma
travessia, da integração do seu ego e das relações edípicas. Já o pássaro noturno, urutau,
permanece em outro estágio do seu processo de individuação.
Considerações finais
Podemos observar que a leitura de textos míticos ou lendas propicia ao leitor um
mergulho em sua interioridade, uma compreensão acerca da condição humana em
diferentes estágios da vida. A beleza de sua representação incide justamente no emprego
da simbologia que ecoa no inconsciente do leitor.
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