Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades - page 110

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Brasil imperial de referências europeias, em meio à selva descrita na literatura indianista de
José de Alencar, com
O Guarani
, tocada nas orquestras (BORA, 2013, p. 111-113)
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.
O dualismo nessa representação chegou ao auge na literatura indianista, que
transformou os índios antropófagos em vis, ferozes e selvagens. A suposta homenagem
enveredou na humanização romântica dos não-antropófagos – salientando qualidades como
a lealdade e o espírito guerreiro –, ao passo que os “‘bárbaros” figuravam como
coadjuvantes.
Entre as páginas da literatura e os índios das ruas cariocas o dualismo foi uma
constante. No cordão, o índio que desfilava nas ruas do Rio, deixava de lado uma
representação romântica literária, ao empunhar tacapes e vestindo saias e coroas de penas.
Uma representação também idealizada, em razão do real desconhecimento do universo ali
“homenageado”. O índio do cordão dos logradouros carioca era uma mistura das referências
americanas e africanas (escudo e máscara), mostrando uma miscigenação de culturas que
pouco caracterizava o indígena brasileiro (BORA, 2013, p. 116).
As constantes homenagens que o Império promoveu aos indígenas, ainda que
caricatas, cederam espaço para a esterilização eugênica que a conjuntura impôs ao
carnaval. Na virada do século XIX para o XX, os cordões são perseguidos e os cucumbis
foram expulsos da festa, que se higienizava à força. Aos moldes europeus, o “carnaval
civilizava-se” na ampla Avenida Central, em 1908, que se enchia para ver as Grandes
Sociedades de influência europeia desfilarem.
Do início do século XX até meados dos anos 1930, outros personagens e
manifestações foram trazidos às ruas, bailes, praias e avenidas do Rio de Janeiro. O samba,
os blocos, o corso, os malandros e as baianas – nos bailes luxuosos e nas escolas de
samba – vicejaram numa festa que se quis sempre múltipla, a despeito dos demandes
públicos
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.
No intuito de se comunicar com o seu entorno, o investimento e a atenção
despendidos pelos foliões variavam de acordo com suas possibilidades financeiras e com as
prerrogativas do local da festa. Na década de 1930, os bailes que pretendiam garbo e
distinção, usualmente não aceitavam qualquer fantasia. Em nota, o Centro dos Cronistas
Carnavalescos disparava, “também serão aceitas as máscaras e fantasias, excepto as de
marinheiro, apache, travesti e macacões, que em absoluto não serão toleradas. As
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No caso
O Guarani,
de José de Alencar, se situa nessa perspectiva dualista em que o índio habita uma margem estreita entre
o selvagem e o romântico. Segundo Bora, posteriormente, a literatura cederia espaço para o discurso oficial de D. Pedro II em
que o indígena viraria um modelo de nobreza, ainda que historicamente fosse vítima do processo colonizador.
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Não é objeto desse texto adentrar nas nuanças e modificações dos festejos carnavalescos, para um vislumbre dessas
modificações na virada do século XIX até 1930 ver: Cunha (2001) e Vianna (2004). A primeira trata de como o carnaval possui
uma função também social, no sentido de expor na efemeridade dos festejos toda a exclusão social e o não-pertencimento que
muitos dos seus foliões viviam em seus cotidianos. O segundo, baseado em outro ponto de partida, rastreia um grupo de
compositores do samba e de intelectuais para configurar de que forma o samba saiu de ritmo perseguindo um dos signos de
brasilidade em pouco menos de trinta anos.
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