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Com relação à personagem Peninha propriamente, há uma missiva curiosíssima. A
criança emissora utiliza para a redação um papel de carta em que se veem desenhos de
quatro figuras humanas, e duas delas possuem adereços indígenas: penas enfeitando a
cabeça, tanga, colares e tornozeleira de pedras. Justamente nesta carta, com as
características apontadas e com as atualizações devidas, a criança se expressa da seguinte
forma:
Monteiro Lobato
Eu estava de caxumba e mamãe leu para mim todas as “Reinações”. Gostei
muito. Mas quero saber quem é o Peninha?
Mande dizer à Maria Victoria.
(Maria Victoria mora na Rua Machado de Assis 35)
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A perplexidade da pequena leitora lobatiana justifica-se plenamente. Como a
descrição do episódio apresentada no item de abertura deste artigo já antecipa, a
constituição desta personagem é singular. Trata-se de um ser invisível, com “mais ou
menos” a mesma idade e altura de Pedrinho, e possuidor do segredo de tornar uma pessoa
com sua condição, ou seja, imperceptível ao sentido da visão.
O segredo, porém, pode ser ensinado àqueles que assim o merecerem. Para adquirir
esse merecimento, esse “dom das fadas”, como ele diz, há que se viajar em sua companhia
pelo mundo das maravilhas. Mundo esse que ele tem todo esmiuçado num mapa, obtido por
viajar “de lápis na mão”. A sabedoria que acumula vez por outra é demonstrada em falas
como essa: “O mundo das maravilhas é velhíssimo. Começou a existir quando nasceu a
primeira criança e há de existir enquanto houver um velho sobre a terra.” (LOBATO, 1956a,
p. 254).
O ser invisível imita o canto do galo para indicar às crianças sua chegada ou partida.
Ganha uma pena de papagaio, tirada da canastra de Emília, que é amarrada à testa dele
para indicar a todos sua localização. É batizado, por esse motivo, de Peninha pela boneca.
A personagem ainda é quem detém o conhecimento do uso do “pó mais mágico que as
fadas inventaram”, o pó de pirlimpimpim. Sua administração permite a viagem pelo mundo
das maravilhas e é usado pelos aventureiros, sob sua orientação, na partida do sítio rumo
ao País-das-Fábulas.
Seu conhecimento acerca da natureza é o que o motiva a contar aos amigos do sítio
que “na floresta havia muito mais bichos do que ali [onde estavam os fabulistas La Fontaine
e Esopo] – leões, tigres, macacos, ursos – todos os animais importantes” (LOBATO, 1956a,
p. 274). Sua agilidade no trato com o elemento natural impede, também, que as crianças
sejam atacadas pelo tigre-carrasco da fábula “Os animais e a peste”:
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Carta pertencente ao Dossiê Monteiro Lobato, Fundo Raul de Andrada e Silva, do Instituto de Estudos Brasileiros da USP.