Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades - page 128

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entender como Machado de Assis colocou em prática, mesmo em suas obras menos
prestigiadas, as questões que ele já vinha abordando em textos teóricos, e mostrar que
obras como
Helena
já lidavam com questões complexas em relação ao Brasil e o mundo e
às respectivas literaturas.
Cronologicamente, começaremos com “O passado, o presente e o futuro da
literatura”, texto escrito pelo jovem Machado de Assis de dezoito anos, não por isso imaturo
nas questões políticas e literárias. Dizemos “políticas e literárias” porque Machado relaciona
as duas coisas nesse artigo, entretanto, daremos atenção especial à literatura.
Tratando de autores de gerações anteriores e se estendendo até a sua geração,
Machado diz o seguinte:
A poesia de então tinha um caráter essencialmente europeu. Gonzaga, um
dos mais líricos poetas da língua portuguesa, pintava cenas da Arcádia, na
frase de Garret, em vez de dar uma cor local às suas liras, em vez de dar-
lhes um cunho puramente nacional. Daqui uma grande perda: a literatura
escravizava-se, em vez de criar um estilo seu, de modo a poder mais tarde
influir no equilíbrio literário da América.
Todos mais eram assim: as aberrações eram raras. Era evidente que a
influência poderosa da literatura portuguesa sobre a nossa, só podia ser
prejudicada e sacudida por uma revolução intelectual.
Para contrabalançar, porém, esse fato cujos resultados podiam ser
funestos, como uma valiosa exceção apareceu o
Uraguai
de Basílio da
Gama. Sem trilhar a senda seguida pelos outros, Gama escreveu um
poema, se não puramente nacional, ao menos nada europeu. Não era
nacional porque era indígena, e a poesia indígena, bárbara, a poesia do
boré
e do
tupã
, não é a poesia nacional. O que temos nós com essa raça,
com esses primitivos habitadores do país, se os seus costumes não são a
face característica da nossa sociedade? (ASSIS, 2013, p. 62).
Nesse texto, pode-se perceber um Machado de Assis, além de muito preocupado
com a nossa literatura, muito exigente quanto ao que pretendia para a literatura de seu país,
principalmente se levarmos em consideração que nossa nação só estava emancipada do
Reino Unido de Portugal há 36 anos, e que o poeta Gonzaga (Tomás Antônio Gonzaga), ao
qual Machado cobra a cor local, mesmo tendo participado da Inconfidência Mineira (1789),
não nasceu nem morreu no Brasil, embora seja considerado um “poeta e ativista luso-
brasileiro”. (ASSIS, 2013, p. 62, nota de rodapé n. 45) E, mesmo tratando do poeta brasileiro
Basílio da Gama, Machado não poupa sua crítica ao poema indígena, que ele não considera
nacional, questão que retornará no último texto crítico do autor abordado aqui.
Vale a pena destacar uma parte desta passagem citada acima para ligá-la a outra
parte desse mesmo texto crítico. Como já foi dito, esse texto associa a literatura à política,
“uma dupla púrpura de glória e de martírio” (2013, p. 61), “dois grandes princípios pelos
quais sacrificava-se aquela geração” (2013, p. 63). Machado de Assis, vendo sua pátria
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