Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades - page 122

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Se a formosa índia, manuseando o licor verde da jurema, consegue retirar seu
amado das terras da nação tabajara e fugir com ele, enquanto os guerreiros de seu povo
dormem, a não menos heroica criança, com o manejo de uma planta com as mesmas
propriedades soníferas, viabiliza o salvamento de seus companheiros de aventuras e sua
retirada do país dos símios:
– Estou estranhando o sono desta bicharia – disse a menina. Por mais
barulho que se faça, nenhum acorda.
– Pudera! – exclamou Peninha. Pus tal dose duma planta dormideira no
poço onde eles bebem, que só amanhã lá pelo meio-dia poderão despertar.
Que é de Pedrinho? (LOBATO, 1956a, p. 283).
Encanta acompanhar o diálogo que Lobato mantém com a obra-prima de Alencar
numa produção voltada para a criança. Com os “achados” da história e da caracterização da
personagem apontados anteriormente, confirma-se o que Perrone-Moisés salienta sobre o
estudo do intertexto. Não basta identificar a influência, mas levar a efeito um “confronto
produtivo” entre esses textos memoráveis e suas soluções ficcionais igualmente antológicas.
Peninha e a transfiguração literária da criança indígena
Em nenhum momento da história lobatiana, saliente-se, é explicitada a estirpe
indígena daquele ser ficcional; no entanto, há inúmeros motivos ao longo da série de
eventos narrados, como se viu, que suportam essa interpretação.
O mistério da personagem não se liga apenas à sua condição de ser invisível, mas
também ao(s) modo(s) como poderá ser recebida pela criança leitora. Não se pode imaginar
algo mais apropriado ao pequeno leitor, nem mais sublime, aceite-se ou não a hipótese de
Peninha ser o meio literário de o escritor paulista abordar a questão do índio.
Sabe-se que Monteiro Lobato trata objetivamente do índio em obras como
Hans
Staden
(1956b) e
História do mundo para as crianças
(1956c). Em nenhuma delas,
entretanto, alcança a transfiguração artística da criança indígena como a obtém em
Reinações de Narizinho
, com a personagem Peninha.
Reinações de Narizinho
marca, pois, o aprimoramento no próprio percurso
lobatiano rumo a uma escrita cada vez mais ajustada à criança. Tanto em termos de suas
opções linguísticas e temáticas, como em relação a suas escolhas na criação de
personagens, no desenvolvimento da linguagem narrativa ou mesmo na fusão
real/maravilhoso, Lobato busca, nessa obra extraordinária, corresponder às necessidades
mais profundas da infância, e nesse propósito, acredita-se, tem pleno êxito.
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