Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades - page 107

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levavam muitos foliões, principalmente nas ruas, a homenagear os habitantes primários do
Brasil. Criando personagens diversos, relativos à ocasião em que se encontravam, os
foliões cariocas ora forçavam os limites do interdito, ora se adaptavam à conjuntura e aos
locais do acontecer festivo.
Como se pode notar, fantasiar-se, especialmente de indígena, possui razões e
condições diversas. Nesse texto, contudo, os sentidos que essa ação supõe estão restritos
às imagens dos “indígenas” flagrados na cobertura carnavalesca da revista
O Cruzeiro
e no
matutino
Correio da Manhã
,
nos anos de 1939 e 1964.
2
Periódicos de ampla circulação desse período, a revista
O Cruzeiro
3
e o matutino
Correio da Manhã
4
, fizeram uma cobertura ostensiva desses carnavais, capturando foliões
nos mais diversos recônditos festivos. Esses periódicos não se eximiam, contudo, de
posicionar-se e de construir uma rede de significações aos tríduos.
No caso do
Correio
, este ainda se esmerava na organização desses folguedos,
promovia concursos, desfiles e criticava/homenageava associações, clubes e grêmios
carnavalescos, além de registrar as ações do poder público quanto aos rumos
carnavalescos.
As colocações acima permitem desnaturalizar, portanto, o sentido neutro atribuído à
imprensa, uma vez que ela escolhe, orienta e participa ativamente na publicação de notícias
valendo-se de intenções as mais variadas e condizentes, muitas vezes, com relações de
poder invisíveis ao olhar desatento.
Essas considerações iniciais quanto ao
status
da imprensa serão retomadas,
oportunamente, conforme as imagens – objetos dessa discussão – forem trazidas à baila
desses carnavais e da sua produção de sentido.
A conjuntura em que se encontra os carnavais é marcada, em fins de 1930, pelo
aparelho repressor “estadonovista”, no qual a nacionalidade é lançada como valor supremo da
sociedade e que reflete na sustentação do projeto de anulação das liberdades e da
experiência individual em prol da nação. Pelo ideal de nacionalidade e defesa do território tudo
que escapasse às prerrogativas da ordem era coibido pelo Estado e perseguido pela polícia.
2
O recorte em questão se sustenta nas fotografias de “indígenas” encontradas durante a pesquisa para a escrita da
dissertação
Os carnavais do Rio de Janeiro e os limites da oficialização e da nacionalização (1934-1945)
, e da pesquisa em
andamento “Modernidade e Mediação cultural nos carnavais do Rio de Janeiro (1946-1964)”.
3
A revista empreendeu uma relação ambígua durante o primeiro governo Vargas, apoiando-o interessadamente em busca de
empréstimos para sua expansão em momentos-chave, passando de perseguida pelo Estado Novo à interlocutora de sua
plataforma política. A revista abriria “suas páginas à divulgação dos feitos de Vargas e do regime ditatorial, transformando-se
em mais um veículo a serviço da propaganda do Estado Novo.”
A década de 1940 assistiu à mudança editorial da revista
encabeçada por Freddy Chateaubriand ao trazer o francês Jean Manzon que mudaria o aspecto editorial da revista.
O Cruzeiro
participou ativamente da conspiração contra João Goulart, contrariando o apoio concedido após a renúncia de Jânio Quadros,
atacando Leonel Brizola de corrupto semanalmente nos artigos de David Nasser, seu principal redator e agora diretor. Chamou
de “revolução” o golpe dos militares de abril de 1964, publicando capas com os “cérebros da revolução” como Magalhães
Pinto, governador de Minas Gerais e Castelo Branco. Ver:
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro pós 1930
- Vol. II,
p. 1727-1730.
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Fundado por Edmundo Bitencourt em 1901, destacou-se na imprensa brasileira como um “jornal de opinião” cobrindo de perto
a conjuntura política e sempre se posicionando de maneira aberta e clara. Nos pleitos eleitorais de 1946 a 1964, independente
dos candidatos apoiados, o periódico manteve-se fiel ao princípio de legalidade do voto, mantendo o espírito liberal pautado no
anticomunismo (Op. cit. p. 1628-1631).
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