narrativa linear, porém essa linearidade é relativa, porque o texto em questão trabalha
com diferentes modos de organização textual, por conseguinte mostra a posição
particular de cada personagem. O modo
dramático
é a forma predominante de
focalização na construção do texto, visto pelo diálogo entre o velho e o menino.
Inclusive a interferência do narrador é mínima, nem há indicações de verbos
dicendi
,
como também é utilizada a forma tradicional para a marcação das falas das personagens.
O narrador-protagonista faz algumas reflexões e tece comentários sobre a
passagem do tempo, apropriando-se do monólogo, uma vez que a personagem deixa-se
entregue a si mesma: “Há muito, também eu não reparava no tempo. Não sei se por
medo ou por desânimo. Os dias corriam sem ter minha atenção.” (QUEIRÓS, 2009, p.
21). A personagem perde-se nas divagações. Desse modo, o leitor pode perceber as
diferenças individuais conforme as experiências de vida de cada personagem, ou seja,
de um lado, a de um sujeito que já apresenta a pele toda enrugada e por outro lado, uma
criança que começa a experimentar o tempo e procura encontrar explicações para as
questões abstratas das quais se depara.
- Se o tempo come e tem barriga, ele deve gostar de leite.
- Por quê?
- Meu pai me resmungou que, com o tempo, os dentes de leite caem. Aí
passei muito tempo sem sorrir. Medo de abrir a boca e mastigarem os meus
dentes. Mas eles caíram assim mesmo, sem eu ver o tempo. (QUEIRÓS,
2009, p. 16)
O diálogo que se estabelece entre as duas personagens, um adulto e uma criança,
há a revelação da passagem do tempo e a percepção que as pessoas têm da memória e
das etapas da vida. Dessa maneira, percebemos a presença de devaneios e
caracterizações que definem a questão em pauta: “[...] Ninguém vê o tempo. O tempo
não para. Passa ligeiro e ninguém consegue tocá-lo. Ele tem medo de não atender aos
nossos pedidos, por isso, não nos escuta.” (QUEIRÓS, 2009, p. 8). E o menino
questiona: “- Passa mais depressa que voo de passarinho?” (QUEIRÓS, 2009, p. 8).
Além do modo dramático, o narrador conta uma história para o menino e rompe
com a forma anterior, ou seja, insere uma narrativa pautada no realismo mágico. A
história narrada pelo velho dilui a fronteira entre realidade e imaginário, “fundindo-se as
diferentes áreas para dar lugar a uma terceira realidade, em que as possibilidades de
vivências são infinitas e imprevisíveis” (COELHO, 2000, p. 158). Eis o início do conto:
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