Todavia, ele consegue manter o mistério e abstração do tempo, pois entendê-lo trata-se
de uma experiência única e individual. Ou seja, é a experiência de experimentar a vida
em todas as suas circunstâncias. Uma atividade intransferível e paradoxal, uma vez que
perpassa pela simplicidade e complexidade.
Paralelo ao texto verbal, as ilustrações apresentam imagens metafóricas e dentre
os objetos que as compõem, o relógio é recorrente. Então, o objeto marca as horas,
portanto o tempo. O menino diz que quer ter um relógio, porém não sabe contar as
horas. O velho ensina-o a contar as batidas do coração, visto que o “Coração é filho do
tempo. Bate a vida inteira. Se ele para, o tempo também para. Mas, quando se escuta o
coração, descobre-se que ele tem voz” (QUEIRÓS, 2009, p. 41). Assim, há um jogo
sucessivo de comparações e atribuições ao tempo, do qual passa pelo concreto e pelo
abstrato. Dessa dualidade, sempre surgem outros questionamentos: “- Se o tempo não
tem tamanho, para que relógio?” (QUEIRÓS, 2009, p. 42). Mas o relógio pode arrumar
as coisas: “Ele nos aproxima, nos reúne, cria nosso ritmo. Põe ordem na liberdade
exagerada do tempo” (QUEIRÓS, 2009, p. 42).
Nessa sucessão de metáforas, antíteses, paradoxos e questionamentos, o velho
diz:
Voltei para o antes. Carregava comigo minha antiga infância. E menino que
morava em mim não mais travou sua língua. Continuou a me interrogar sobre
coisas impossíveis de responder. Meu coração, pesado de perguntas, se
agitava, festivo, ao supor que o tempo é um saboroso presente. Franzi
novamente a testa. (QUEIRÓS, 2009, p. 47)
O narrador deixa implícito que o menino é a sua própria extensão. Desse modo,
precisamos repensar na constituição da personagem, pois há um imbricamento entre a
fase da infância e a velhice. O narrador retoma as memórias e cria a possibilidade de o
sujeito se ver. Isto se torna possível porque se pode ativar a memória e apropriar-se das
palavras, pois estas funcionam como espelho da subjetividade, pois a “vida é um fio, a
memória é seu novelo. Enrolo – no novelo da memória – o vivido e o sonhado. Se
desenrolo o novelo da memória, não sei se tudo foi real ou não passou de fantasia”
(QUEIRÓS, 2012, p. 5). Em outras palavras, Bartolomeu tece o tempo vivido e
experimentado.
Avô, conta outra vez
(2010)
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, de José Jorge Letria e André Letria retoma o a
convivência e o espírito familiar, especificamente na relação entre avô e neto, em que há
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O texto
Avô, conta outra vez
(2010), de José Jorge Letria e André Letria não apresenta
número de página.
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