e mostrava o meio como causador da degradação. Além disso, unia esta degradação ao
belo. O belo brota do mais inesperado, diferenciando-o da normalidade. Como na poesia
de Baudelaire, a poesia de Uchoa apresenta a cidade como o ambiente que, ao mesmo
tempo, choca e atrai.
Longe de ter um olhar apático, o
voyeur
reage aos fatos do mundo ao fazer
recortes pessoais ou escolher os melhores ângulos. O poema em prosa “Visão”, de
A
uma incógnita,
é representativo, neste caso:
Vejo um cego desencontrado como um asteróide, tenso, com passos
medidos, e que olha para cima e de lado, qual a terceira figura da
“Parábola dos cegos” de Pieter Bruegel. A bengala metálica e
matemática toca o chão de leve. Perplexo, esbarra numa moto na
calçada, apalpa o obstáculo e desvia-se em ângulo inclinado para a
frente e a direita. Choca-se ― como aquele asteróide em cima― com
a quina de uma banca. Sonda o novo enigma e contorna-o. Perco-o aí
de vista na
multitude vile
. (LEITE, 1991, p. 23)
Muitos temas apresentados em
A ficção vida
convidam o leitor a olhar cenas da
urbe
, antes imperceptíveis. Não por serem invisíveis, mas por se encontrarem
banalizadas diante da pressa dos passantes no dia-a-dia, destituídas de qualquer poder
para quebrar sua percepção automatizada. Não por acaso, Davi Arrigucci Jr. (200, p. 1)
sugeriu uma comparação entre o olhar de Uchoa e o poema “O bicho”, de Manuel
Bandeira:
O bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
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