Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 233

pensamento, ressaltando que esse último teórico produziu o trabalho radical de
conceituar e desafiar-se a contestar suas próprias assertivas, de modo a transpirar um
inquietante pensamento científico, no qual a errância comparece como professora
mestra. A propósito, também Lacan e Freud inscreveram-se nesse lugar sinuoso e tenso
de produzir mudanças de rumo em suas teorias. Sobre o arquivo, em um de seus últimos
textos, ele indica: “trabalho do pensamento em combate com sua própria memória, que
caracteriza a leitura-escritura do arquivo, sob suas diferentes modalidades ideológicas e
culturais, contra tudo o que tende hoje a apagar este trabalho” (PÊCHEUX, 1982 [1997,
p.64). Entender, ler e trabalhar com a constituição, produção e circulação de arquivo(s)
sustenta-se pelo processo ideológico que faz parecer evidente que se diga de um modo e
não de outro (PÊCHEUX, 1969 [1995]), que se organize os textos de uma dada maneira
e não de outra, enfim, que se tenha um arquivo à mostra e não outro.
Por isso, inferimos que a cada arquivo instituído, correspondem muitos outros que
deixaram de estar ali; efeito da ideologia e da historicidade na língua tal como o próprio
autor postula: “é esta relação entre língua como sistema sintático intrinsecamente
passível de jogo, e a discursividade como inscrição de efeitos lingüísticos materiais na
história, que constitui o nó central de um trabalho de leitura de arquivo” (PÊCHEUX,
1982 [1997, p.63). Para tal, é preciso tomar a materialidade da língua – ou da
língua(gem), algo que também teve sutis entradas nos estudos dos outros teóricos aqui
mobilizados –, que ordena, arquiva e inscreve possibilidades de cálculo, visto que, o
próprio Pêcheux o disse: “A materialidade da sintaxe é realmente o objeto possível de
um cálculo”. No entanto, essa mesma língua é um ritual com falhas e de
esburacamentos nutre-se do que dela é tropeço e furo; daí “simultaneamente ela escapa
(...), na medida em que, o deslize, a falha e a ambigüidade são constitutivos da língua, e
é por aí que a questão do sentido surge do interior da sintaxe.” (PÊCHEUX, 1982 [1997,
p.62).
Isso nos coloca frente à tentativa de o sujeito restituir um efeito de completude
na/com a língua ao mesmo tempo em que tal empreitada fracassa visto que o sentido
sempre pode escapar e “ser outro” (Orlandi, 1996, p.64). O mesmo observamos em
relação ao arquivo que, ao fincar um começo e um comando para a institucionalização
de dizeres, esbarra no furo do que não pôde ser dito ou ali guardado. Discursivamente,
entendemos que o arquivo tenta restituir um efeito de inteireza a partir da saturação de
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