Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 232

mais” e que permanece na repetição e no apagamento como filamentos aguados de uma
re-presença. O morto e também o que não pôde estar vivo sustentam o arquivo em seus
traços incompletos e fugidios, instalando sempre um avesso e uma ausência.
Tudo isso nos permite estabelecer um diálogo com Pêcheux (1982 [1997, p.57]),
para quem arquivo é campo discursivo lacunar, não-todo e datado sócio-historicamente,
ou seja, “entendido no sentido amplo de ‘campo de documentos pertinentes e
disponíveis sobre uma questão’”. Campo a ser lido e tratado no movimento discursivo
aqui já explicitado de dizer e silenciar, arquivar e deixar escorrer dizeres pelas frestas do
esquecimento; por isso, continua ele “(...) há, entretanto, fortes razões para se pensar
que os conflitos explícitos remetem em surdina a clivagens subterrâneas entre maneiras
diferentes, ou mesmo contraditórias, de ler o arquivo” (p.57). Entender clivagem como
metáfora de uma propriedade física, através da qual os cristais fragmentam-se e
produzem várias faces possíveis para o mesmo cristal, nos convoca a tomar o arquivo
como feixe supostamente homogêneo e inteiro de um campo de documentos
heterogêneos e incompletos, que sempre se ramificam em possíveis e diferentes
possibilidades de leituras.
São tais filamentos fragmentados nesse e, sobretudo, desse campo e documentos
que permitem a compreensão de que algo funciona (no arquivo) para além do literal,
para além da leitura autorizada pelas instâncias oficiais de arquivos, para além da ordem
do repetível. Por isso, um trabalho conceitual e analítico com o arquivo “consistiria em
marcar e reconhecer as evidências práticas que organizam estas leituras, mergulhando a
‘leitura literal’ (enquanto apreensão-do-documento) numa ‘leitura’ interpretativa” – que
já é escritura”. Continuando, o autor coloca que, desse modo, “começaria a se constituir
um espaço polêmico das maneiras de ler, uma descrição do ‘trabalho do arquivo
enquanto relação do arquivo com ele-mesmo, com uma série de conjunturas, trabalho da
memória história em perpétuo confronto consigo mesma” (PÊCHEUX, 1982 [1997,
p.57]). Não nos coloca esse teórico em uma posição confortável, mas visga o nosso
olhar para a compreensão do se dá em surdina, no eixo do subterrâneo, na esfera das
clivagens, no enquadra da polissemia, onde os sentidos - de arquivo - sempre estão
prontos a escapar e serem outros.
Nesse sentido, vale um aparte de que Derrida e Foucault também tocaram, cada
um ao seu modo, a mesma condição errante e fugidia com que Pêcheux sustenta seu
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