Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 227

mesmo significante se reveste de vários significados, o não-colamento entre objeto e
representações
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. O arquivo cresce justamente incorporando representações do saber
sobre os objetos, mas “jamais se poderá objetivá-lo sem um resto” (DERRIDA, 2001,
p.88), o que nos permite pensar o arquivo como um “penhor do futuro” (DERRIDA,
2001, p.31).
Tal assertiva implica não considerar o sentido a priori, como dado em estado de
congelamento, mas na retroação, no fluxo de um permanente retorno a significantes já
postos em discurso anteriormente. Ainda sobre esse movimento, destacamos que o
arquivo constitui-se nessa tessitura de dizeres sobre e sob dizeres, de ordens de
entroncamento e imbricação fundadas pela linguagem. Assim, pela linguagem, o
arquivo é tecido e inscreve tessituras em seu corpo que necessita de um lugar para se
construir (operação topográfica) e para se organizar (operação de linguagem). Esse
processo envolve, ainda, a “técnica de consignação”, ou seja, o princípio de reunião,
organização e exclusão de dados, o que para nós é indício de que ao ato de inscrever
corresponde o de apagar, ao movimento de instituir no arquivo um sentido, outros
precisam ser abandonados.
Considerar tal contradição nos move a tomar o arquivo como um lugar discursivo
de tensão tal como Pêcheux (1969 [1995]) pensou o discurso, como efeito, como curso
de sentidos em trânsito que sempre latejam junto com o que não pode ou não deve ser
dito. Por isso, como um lugar de impressão, de “cifragem das inscrições”, as forças dos
arcontes (da autoridade, do poder, da ordem...) podem censurar, manipular e reprimir
leituras, cortando a carne do arquivo, produzindo ajustamentos em relação a interesses e
a poderes. A impressão, por sua vez, pode ser selecionada, memorizada, repetida ou
ressignificada; dela fala Derrida (2001, p.22) como assegurada pelo arquivo que
mantém relação com certa exterioridade, pois não “há arquivo sem exterior”, sem um
lugar que possa garantir as possibilidades de memorização, de re-produção e/ou de
re(im-)pressão.
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Freud elaborou um esquema sobre o “aparelho de linguagem” em uma monografia sobre as afasias, em
que teorizou, dentre outras coisas, sobre a diferença entre representação-de-coisa e representação-de-
palavra ([1891] 2006), fundamental para compreendermos depois o que Lacan trabalhou ao longo de
seus seminários, e especialmente em seu Discurso de Roma ([1953] 1998), instaurando de vez a hiância
entre estas representações, funda(menta)ndo o real como uma “verdade que não diz sua última palavra”
(p.271)
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