Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 229

Arquivo em dis-curso: a língua em movimentos
A espessura de recordações e esquecimentos, a pátina de fragmentos de letra e
significantes, a rasura do que está em funcionamento no que se ausenta e do que
aparentemente apagado subitamente emerge: o universo com a qual a psicanálise teve
de se haver trabalha no binômio memória-esquecimento, saber-desconhecimento,
repetição-deslocamento. Julgamos que, mesmo sendo de outra maneira o tratamento
dado a tais mecanismos – já que a relação psicanalítica dá-se de um analisante com seu
analista –, o arquivo está em (dis-)curso. Assim, o arquivo existe é porque há, ao mesmo
tempo e de forma contraditória, o aparecimento e apagamento, no dizer de Foucault, a
memória dos acontecimentos
3
e a destruição dos dados, como coloca Derrida:
Não haveria certamente desejo de arquivo sem a finitude radical, sem a possibilidade de
um esquecimento que não se limita ao recalcamento. Sobretudo, e eis aí o mais grave,
além ou aquém deste simples limite que chamam finitude, não haveria mal de arquivo
sem a ameaça desta pulsão de morte, de agressão ou de destruição. Ora, esta ameaça é
in-finita: ela varre a lógica da finitude e os simples limites factuais, a estética
transcendental, ou seja, as condições espaço-temporais da conservação (DERRIDA,
2001, p.32).
O arquivo faz aparecer, assim, “as regras de uma prática que permite aos
enunciados subsistirem e, ao mesmo tempo, se modificarem regularmente.
É o sistema
geral da formação e da transformação dos enunciados
4
” (FOUCAULT, 1969 [2002,
p.150])
5
. Como um sistema que rege o aparecimento e o funcionamento de enunciados
como acontecimentos singulares, o arquivo se forma, pois, a partir das escolhas, sempre
políticas. Nessa formação e transformação, o arquivo alia “a descrição das formações
discursivas, a análise das positividades
6
, a demarcação do campo enunciativo”
3
Entendemos o “acontecimento” como a inserção da materialidade em determinadas condições histórico-
sociais; ele “produz-se como efeito de e em uma dispersão material” (FOUCAULT, 1971 [2003, p.57-
58]).
4
Destacamos, a partir de Foucault, que o conceito de “enunciado” não se restringe ao verbal: “Um
enunciado pertence a uma formação discursiva” e cada um deles “ocupa aí um lugar que só a ele
pertence” (1969 [2002, p.135, 138]).
5
Grifos do autor.
6
Segundo Foucault (1969 [2002, p.146]), “a positividade desempenha o papel do que se poderia chamar
um a priori histórico”.
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