Anais do VII Encontro do Cedap – Culturas indígenas e identidades - page 284

282
toda cultura regional, também apresentava, denunciava toda chaga social, e muitos dos
romances eram formas diretas e indiretas de protestos.
Em consequência, a expressão das figuras, tipos e psicologia humana são
constantes, como tipos sociais que muitas vezes parecem se repetir nos relatos
regionalistas: a seca que assola, destrói tudo e arrebata famílias; proletários que trabalham
dia e noite e não têm o mínimo para o arroz, só falta; tipos humanos que nada podem
esperar de instituições sociais, do governo, que não faz nada por essa camada social;
pessoas que não têm e nem podem esperar pela caridade alheia. Como a família Corumbá,
por meio da qual, indiretamente, denunciava-se algumas chagas sociais: preconceito, más
condições de trabalho e extrema pobreza.
A narrativa que se inicia em
flashback
mostra bem como os nordestinos sofriam e
ainda sofrem com a seca e com a labuta diária de suas vidas.
Tão violenta foi a seca de 1905, que o capim cresceu e secou no leito
estorricado dos ribeiros. Assolou tudo, matou tudo!
João Piancó, doente, não pôde salvar as reduzidas criações. E morreu de
desgosto.
Geraldo, a esse tempo, tinha já três filhos. Lutou contra a miséria o quanto
pôde. Josefa o ajudava dia e noite.
Mas tiveram de desanimar, como outros tantos. Perceberam que só lhes
restava o recurso de desertar, fugir para sempre daquele torrão maldito.
(FONTES, 2003, p. 26).
A família, que morava em uma fazenda e dependia do plantio da cana, desertou para
o engenho de Ribeira, porém logo o valor do açúcar daquele ano abaixou e os usineiros
reduziram à metade o salário pago, o que não fazia o trabalho render nem para as
despesas. E, pela segunda vez, a família desertaria em busca de melhores condições:
Foi Josefa quem aventou a ideia de se mudarem para o Aracaju.
E enumerava suas razões:
Na capital, havia emprego decente para as duas meninas mais velhas. Era
nas Fábricas de Tecidos. Estavam assim de moças, todas ganhando bom
dinheiro... Pedro não custaria em conseguir um bom lugar, como ferreiro ou
maquinista... Uma outra vida enfim. Vestia-se melhor, andava-se no meio de
gente... Depois, tinha assim uma certeza, uma espécie de pressentimento,
de que lá as filhas logo casariam. Isso, as mais velhas. As duas mais novas
iriam para a escola. Nem precisavam até de trabalhar. Caçulinha, que era
tão viva e inteligente, bem poderia chegar a professora... (FONTES, 2003,
p.27-28).
A família assim o fez, mudou-se cheia de sonhos e esperanças. Chegando em
Aracajú, alcançou o que almejara de início, só que o tempo veio mostrar que o pobre não
tem vez. E era esse o intuito dos regionalistas, mostrar, expor as chagas e mazelas que a
população esquecida pelo governo sofria.
1...,274,275,276,277,278,279,280,281,282,283 285,286,287,288,289,290,291,292,293,294,...328
Powered by FlippingBook