Nós os vencidos do catolicismo
que não sabemos já donde a luz mana
haurimos o perdido misticismo
nos acordes dos carmina burana
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Nós que perdemos na luta da fé
não é que no mais fundo não creiamos
mas não lutamos já firmes e a pé
nem nada impomos do que duvidamos
Já nenhum garizim nos chega agora
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depois de ouvir como a samaritana
que em espírito e verdade é que se adora
Deixem-me ouvir os carmina burana
Nesta vida é que nós acreditamos
e no homem que dizem que criaste
15
se temos o que temos o jogamos
“Meu deus meu deus porque me abandonaste?”
Nos meios acadêmico-literários, costuma-se entender que o primeiro verso dum
poema é um de seus mais importantes, o qual, não poucas vezes, é associável ao último,
algo verificável, por exemplo, no soneto “Verdade, amor, razão, merecimento”, verso o
qual, além de nomear esse poema de Luís de Camões, introduz-lhe o tema. Porém, mais
do que o citado verso em si, nele importa determo-nos na palavra a qual o inicia, isto é,
“Verdade”, e, aqui, esse substantivo, visto como “abstrato” pela Gramática Tradicional,
cumpre alternância morfossemântica, a de ser um substantivo próprio, entendimento que
temos pelo fato de estar, o referido vocábulo, grafado com versal inicial, característica a
qual se dá porque, de acordo com o que sabemos, as normas gramaticais apregoam que
é imperativo iniciar uma frase com grafema maiúsculo. Todavia, a diversa possibilidade
de leitura que disso provém toca a realidade cristológica, uma vez que, para um cristão,
é naturalíssima a necessidade de, ao escrever-se a palavra “verdade”, com ela visando à
concepção duma sinonímia com o nome “Deus”, fazê-lo com letra inicial maiúscula, já
que, no Cristianismo, disposições gráficas transcendem âmbitos linguísticos, porquanto,
assim procedendo, um religioso cristão pretende dizer que “Deus é a verdade suprema e
absoluta”. Portanto, no último verso desse mesmo soneto camoniano, lemos que “Mas o
melhor de tudo é crer em Cristo”, de forma que, claramente, sua palavra final, “Cristo”,
também posta em versal inicial, dialoga, sinonimicamente, com o mencionado primeiro
termo, “Verdade”, parecença quiásmica que nos arrebata a memória para uma passagem
do
Novo Testamento
, no “Evangelho Segundo João”,
XIV
,
6
: “Disse-lhe Jesus: Eu sou o
1...,6,7,8,9,10,11,12,13,14,15 17,18,19,20,21,22,23,24,25,26,...445