Reputando verdadeira a afirmação de que “ninguém conhece melhor que Lucien
Febvre a história do século
XVI
” (
op
.
cit
., p.
15
), da parte do filósofo francês Henri Berr,
[
1863
-
1964]
, permitimo-nos supor que, como um dos rebentos daquele período, Luís de
Camões se possa contar entre os febvrianos “melhores representantes”, pelo que a nós é
dado entender que, tanto de sua razão quanto de seus afetos, adviriam várias e valorosas
crenças religiosas, quer católicas, quer protestantes – em suma, vindas do Cristianismo.
Demais, ao lermos alguns poemas camonianos de feitio cristão, verificamos que,
aquém do já bastante repisado e difundido (neo)platonismo
2
que os permeia, notamos a
possibilidade de analisarmo-los em consonância a certos preceitos do Protestantismo – a
vereda do Cristianismo nascida com a publicação, aos
1517
, das
Noventa e Cinco Teses
,
obra de Martinho Lutero (
1483
-
1546
), fundador daquela ramificação, à qual chegaram as
luteranas ideias daqueles conturbados tempos, embora a
Bíblia de Lutero
não tenha sido,
factualmente, a primeira tradução bíblica para a língua alemã, porquanto o já fizera, aos
1466
, Johannes Mentelin, nome graças ao qual se passou a conhecer esse tradutório feito
como
Bíblia de Mentel
, precursora, pois, daqueloutra.
Contudo, quando dizemos que certos poemas religiosos de Camões são passíveis
duma análise à luz de doutrinas cristãs protestantes, fazemo-lo como hipótese, que só se
poderá (ou não) confirmar à medida que procedermos às análises dos poemas elencados,
juntamente com as leituras teóricas pertinentes. Logo, tudo ainda são conjecturas, apesar
de já antevermos uma oposição, claramente segura de si, ao garantir que
todos sabem a situação religiosa da Europa pela época em que o Poeta
se ocupava na redação da sua obra. A afixação das teses de Lutero nas
portas da Catedral de Witemberg em 31 de outubro de 1517 foi um
grito de guerra, que teve repercussão em todo o mundo. [...] Camões,
como homem da maior cultura, perspicaz e inteligente como era, não
desconhecia esses fatos. Em consonância com o modo de ver da sua
Pátria, que havia recebido o Concílio de Trento, tornado lei do país
por Alvará de 12 de setembro de 1654, revela-se no Poema um
2
No transcurso de nossas investigações, procuraremos melhor explicar as doutrinas conhecidas como
“platonismo” e “neoplatonismo”, situando, cada uma de per si, em sua devida época, pondo-as de acordo
com os pensamentos de seus precursores, quais tenham sido, respectivamente, Plotino de Licópolis (205-
270) e Marsílio Ficino de Florença (1433-1499). Fá-lo-emos porque julgamos necessária a distinção e
ulterior situação do
corpus
lírico camoniano, sobretudo o dito “religioso” ou “cristão”, a fim de que, com
isso, consigamos entender e explicar os limiares e limites da absorção, por parte de Camões, das ideias de
Platão de Atenas.
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