aquele texto poético que supratranscrevemos, porquanto, para essa mesma pesquisadora,
seria ele considerado qual um “apócrifo camoniano”, junto com os poemas que Joaquim
Mendes dos Remédios (
1924
, p.
17
), remetendo suas considerações a Camões, assevera
que ele “[...] é também o Poeta profundamente religioso, que [...] soube compreender, e
admirar e cantar [...] verdades da fé cristã [...]”. Não nos contentaremos, portanto, com a
exclusão sumária de dezenas de composições poéticas – pertencentes ou não a Camões
–, unicamente porque, devido às confusões doutrora para o estabelecimento do
corpus
da
lírica camoniana, os estudiosos decidiram que a totalidade de escritos religiosos achados
não se deveria admitir como de procedência das mãos do próprio Poeta.
Pensemos no testemunho de Stephen Greenblatt (
2012
, p.
186
), para quem,
[...] antes dos trinta anos, Ficino já se via profundamente abalado por
Da Natureza
e decidiu escrever um comentário erudito ao poeta que
chamava de “nosso brilhante Lucrécio”. Mas, caindo em si – ou seja,
voltando à fé –, Ficino queimou seu comentário. Ele atacou aqueles
que chamava de “lucrecianos” e passou boa parte da vida adaptando
Platão para construir uma elaborada defesa filosófica do cristianismo.
E no de Lucien Febvre (
2009
, p.
326
), graças a quem obtivemos uns substanciais
resultados, os quais nos dão notícia de que
[...] seria não ver que grandes sínteses como as de um Marsílio Ficino
ou de Pico della Mirandola, que dizemos de inspiração helênica,
aristotélica ou platônica – estão todas imbuídas de cristianismo e,
embora muitas vezes suspeitas para os doutores da Igreja, para os
guardiães rígidos da ortodoxia, inteiramente animadas em seu
grecismo pelo sopro espiritual do Evangelho. Seria fechar os olhos,
sobretudo, para o papel [...] capital desempenhado, nessa história do
pensamento medieval em seu declínio e do pensamento moderno em
seu início, por esse renascimento do platonismo [...].
É desses dois historiadores do Renascimento que obtemos algumas das melhores
descobertas acerca da interinfluência que partia da
fides
à
ratio
da maioria dos escritores
de então, entre quem se notabilizavam Luís de Camões e William Shakespeare, embora,
desses magníficos poetas, apenas estúltimo seja partícipe daquilo que Harold Bloom diz
ser um “cânone ocidental”. Demais, é a partir das declarações daqueles historiadores em
que depositamos a confiança de que, factualmente, Luís de Camões conheceu a maioria
das composições platônicas, mas não diretamente – por leituras dos textos gregos ou das
suas traduções latinas –, e sim por estudos de escritos de Marsílio Ficino – maiormente,
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