que ela deva aderir a uma ideologia a qual lhe permita “colher o dia” com vistas a, dele,
obter as terríficas vilanias para servirem de alimento às suas patéticas afecções. Bastante
ao invés disso, nós acreditamos que, ao haver auferido os flaccianos preceitos atinentes
ao
carpe diem
, fê-lo Camões à semelhante maneira com a qual procedeu à criação de sua
obra épica
Os Lusíadas
, para cuja feitura recorreu à intertextualidade emuladora, já que,
no domínio das técnicas da
aemulatio
, o insigne poeta quinhentista conseguiu erigir um
monumento em “que outro valor mais alto se alevanta”, o que, no caso de seus poemas
religiosos, condiz (e conduz) a um
modus
scribendi
,
por intermédio do qual se alcançaria,
assim, uma exacerbação de um
carpe diem
“mundanal”, rumo a um distinto e superior, a
que se poderia nominar
carpe diem
“teologal” – estúltimo sendo um recurso metapoético
(porque estaria além do âmbito da poesia), cuja finalidade, entremeada por caracteres da
Retórica, concederia a factual instauração doutra doutrina, a da
yuxagogi/a
(“condução
das almas”) platônica, pelo que as almas alcançariam o propósito ao qual foram criadas:
assenhorearem-se sobre os corpos por elas movidos. Destarte, se o vemos em Camões, é
porque, conforme nossa supraescrita hipótese, esse poeta, certamente, elaborava alguma
específica ideia que concernisse à procura pela primordial função das artes, mormente, a
da arte poética – elementos esses sob a nossa cauta investigação, para evitarmos incorrer
em hiperbólicas e, conseguintemente, equivocadas interpretações.
Embora hajamos feito, em nossas primeiras leituras, condizentes aos poemas de
Luís de Camões e Ruy Belo, algumas dezenas de anotações as quais nos auxiliassem em
fazer diversas e profundas análises que, de imediato, conduzissem-nos às interpretações
(introdutórias embora) das obras desses dois grandes poetas, pomo-nos a esboçar, neste
comenos, um outro aspecto que atraiu nossa atenção para suas tessituras poéticas, que se
nos mostram como um
punctum saliens
de discussão acerca de possíveis liames que haja
entre os conceitos de “poesia” e “teologia”, que nos trouxeram à lembrança a expressão
ut theologia poesis
, sintagma latino usado para a classificação dalguma exequível relação
entre a
ars poetica
e a
ars
theologica
, visto a matéria de uma propender para a estrutura da
outra, e vice-versa, já que, em vários contextos dos períodos moderno e contemporâneo,
criaram-se poesias imersas, de modo quase pleno, em temáticas afeitas ao Cristianismo
– conforme no-lo provam Camões e Belo. Logo, vejamos como acontece a apresentação
da temática cristã em “Nós os vencidos do catolicismo”, de Ruy Belo: