o todo” (GUELFI,
1995
, p.
7
), comecemos os comentários ao poema de Luís de Camões
(“Como podes, ó cego pecador”), dizendo tratar-se de um soneto, já que possui quatorze
versos, divididos em quatro estrofes, de modo que as duas primeiras têm, cada qual, um
quarteto, e as duas últimas, cada uma de per si, um terceto, de forma que os versos desse
“pequeno som poético” são compostos de dez sílabas métricas, que constituem esquema
decassílabo, bem como de uma estrutura de rimas finais as quais, nesta sequência, são o
abba
(
-or, -ento, -ento, -or
),
abba
(
-or, -ento, -ento, -or
),
cdc
(
-anos, -ade, -anos
) e
dcd
(
-ade,
-anos, -ade
), o que, nesses aspectos rímicos, faz-nos acreditar que, nesse amplo contexto
camoniano,
quanto às quadras, é o esquema clássico de rimas. Quanto aos tercetos,
importa registrarmos algumas notas. Petrarca, cuja obra poética serviu
longamente de paradigma à poesia europeia, sobretudo no século XVI,
usou este esquema em 35% dos seus sonetos, conforme verificamos
diretamente. É, logo depois do esquema
cde
cde
, com 38%, seu
esquema predileto para rimar os tercetos. [...] Camões, como se pode
ver em estudo especial do autor destas linhas, nos cerca de 150
sonetos que, desde a edição de 1595 à “terceira parte” de 1668, serão
indiscutivelmente seus, revela uma preferência esmagadora pelo
esquema
cde
cde
, que usa em mais de metade daquele número de
sonetos, empregando este esquema
cdc
dcd
, que nos ocupa, em cerca
de um quarto deles. É sem dúvida o seu segundo esquema, na ordem
de predileção [...]
(
SENA
,
1980
, p.
33
).
Reputando-se o efusivo mo(vi)mento histórico-artístico no qual imerso estava o
mestre lusitano – o chamado Classicismo Português ou Classicismo Europeu –, cumpre-
-nos redigir algumas palavras acerca de uma das inspirações para a concepção dos seus
poemas: os escritos horacianos, porque vemos, em seu “Como podes, ó cego pecador”,
escolhas vocabulares que nos dão as vênias para supormos a existência de certos valores
“carpediêmicos”, queremos dizer, que estejam afiliados ao lugar-comum do
carpe diem
,
conceito propagado pelo poeta romano Quinto Horácio Flacco (
65-8
a.C.), célebre feitor
da
Epistula ad Pisones
– entre nós, lusófonos, mais conhecida como
Arte Poética
.
Na medida em que, no terceiro verso do soneto de Camões, pode-se notar direta
associação entre os substantivos abstratos “vida” e “momento”, os quais, por motivos de
estarem inter-relacionados na estrutura poemática da qual participam, tentam dizer-nos
que, dalguma forma, é imperativo haver mudança comportamental a partir da existência
humana, conquanto não queira isso dizer, compulsoriamente, que se pretenda fazer que,
à exata semelhança da doutrina horaciana, vise-se a atitudes que mostrem à humanidade
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