Interessa à escritora o instantâneo, o presente transpondo as fronteiras do tempo. Muitas
vezes, por esse motivo, passado e futuro acabam mesclando-se.
Na crônica está em jogo a subjetividade do escritor, ainda que frente a uma
análise mais histórica e realista. Outro aspecto a ser considerado nesse tipo de escrita
refere-se à ambiguidade: assim é que a crônica pode ser ficcional, lírica, narrativa,
filosófica ou um simples comentário sobre um tema. Conforme a assertiva de Portella
“os gêneros literários não se excluem: incluem-se.” (PORTELLA apud COUTINHO,
1986, p. 271) Quando Cecília descreve espaços une a eles elementos imaginativos: “Há
as viagens que se sonham e as viagens que se fazem – o que é muito diferente”, diz ela.
(MEIRELES, 1998, p. 243) As sensações transmitidas em seus textos relacionados à
viagem amalgamam concretude com abstração, realidade com fantasia, tudo numa
linguagem fluida e poética.
Do mesmo modo Cecília mostra, nos locais visitados, quais são suas leituras, o
que amplia o conhecimento e dá enfoques que o imediatismo da visão poderia encobrir.
Neste caso são inúmeras as crônicas em que transcreve trechos de outros autores
(Alfieri, Marradi, Montaigne, Dante, Vergílio, Metastásio, Marcial, Rilke, Castro Alves,
Shelley, keats e outros), pintores (Severn, De Chirico, Rafael) e cantores. A partir daí, a
leitura das crônicas é permeada por outros olhares, que dialogam com as sensações
cecilianas quando está em determinados lugares. Quando em Siena lembra-se:
“La
piazza di Siena è la più bella che si vedda in nessuna altra città”
– [que] foi o que
escreveu Montaigne quando no século XVI, por lá passou;” (MEIRELES, 1999, p. 55)
ou ainda, quando trata de unir na memória traços de Roma e Ouro Preto, realizando uma
espécie de diálogo poemático entre Metastásio (1698-1782), Marcial (40-104) e
Vergílio (70 aC-19 aC) com os árcades Cláudio Manuel da Costa (1729-1789), Tomás
Antonio Gonzaga (1744-1810) e Alvarenga Peixoto (1744-1792):
E assim caminho, relembrando liras de Gonzaga, versos italianos de
Cláudio Manuel da Costa, e a tradução que Alvarenga Peixoto fez, da
“Merope” de Maffei. E assim recordo a Arcádia e tudo quanto existiu
no século XVIII, entre Minas e a Itália. Mas são coisas longas demais
para se escrever. (MEIRELES, 1999, p. 105-109)
A escritora recorre a dados históricos em seus relatos de viagem, promove
comparações entre lugares, digamos assim. Neste sentido faz parte da tradição da
conhecida
Literatura de Viagem
. Contudo, a informação sobre fatos e objetos não
parece ser o que mais lhe prende a atenção, uma vez que se volta para a dimensão
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