Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 925

É essa a percepção que a leitura de
Ensaio sobre a Cegueira
promove: o fato de
que existem muitas maneiras de se ficar cego, pois “a experiência dos tempos não tem
feito outra coisa que dizer-nos que não há cegos, mas cegueiras” (Saramago 1995 p.
308).
A cegueira pode acorrer quando estamos “cegos de sentimentos” (Saramago
1995, p. 242) pela falta de compaixão, comportando-nos friamente diante das mazelas
humanas, como se pode constatar na seguinte passagem em que os soldados entregam
as caixas de comida aos cegos.
A vontade dos soldados era apontar as armas e fuzilar deliberamente,
friamente, aqueles imbecis que se moviam diante dos seus olhos como
caranguejos coxos, agitando as pinças trôpegas a procura da perna que lhes
faltava. Sabiam o que no quartel tinha sido dito essa manhã pelo comandante
do regimento, que o problema dos cegos só poderia ser resolvido pela
liquidação física de todos eles, os havidos e os por haver, sem contemplações
falsamente humanitárias, (Saramago 1995, p. 105).
Outra forma de cegueira é aquela provocada pelo medo, pois “o medo cega,”
(Saramago 1995, p. 131), e agrava-se quando se aceita todas a imposições que vão
contra a dignidade humana. Além disso, a cegueira também pode ser “viver num mundo
onde se tenha acabado a esperança” (Saramago 1995, p. 204), entregando-se ao total
descompromisso com a vida e sem forças, seja pelo temor ou pela falta de perspectiva,
não reivindicar que os direitos humanos sejam respeitados.
No decorrer da narrativa, o leitor depara-se com inúmeras situações em que
ficam claras a antítese e a dualidade humanas. Tais ocorrências apontam para a total
perda de referências e desequilibrio típicos de um cenário caótico que se descreverá em
toda a trajetória dos personagens. Por sinal, os personagens não têm nome
,
posto que,
segundo o personagem cego escritor “os cegos não precisam de nome, eu sou esta voz
que tenho” (Saramago 1995, p. 275).
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