Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 924

dele o que, em cada momento, for suscetível de
servir aos nossos interesses.
José Saramago, O caderno 2, 2009.
Por meio do presente estudo pretende-se questionar o fato de estar no mundo e
não ver o mundo, admitindo, assim, a cegueira em que está instalado cada ser humano,
não podendo ver a si próprio e, muito menos, ao seu semelhante. De modo análogo, esse
não ver o mundo pode ser entendido também como estar frente a um texto, isto é, frente
a representação do mundo e não conseguir decifrá-lo, entendê-lo.
É sob a óptica do romance visto como um texto ensaístico que se faz uma
possível leitura do
Ensaio sobre a cegueira
, de José Saramago que, como o próprio
autor sugeriu, é um texto ambivalente e de difícil definição: “ensaio que não é ensaio,
romance que talvez o não seja, uma alegoria, um conto «filosófico», se este fim de
século necessita de tais coisas” (Saramago 1995, p. 101).
A ênfase, neste texto, recairá sobre a problematização dada às questões relativas
às atitudes humanas, pormenorizando os pensamentos e as ações dos personagens diante
do fato de estarem cegos. Além disso, procurará discutir as possíveis formas de
cegueira que podem estar representadas neste estado de cegueira física demonstrada no
romance, pois a cegueira física atribuída aos personagens será analisada como uma
metáfora da cegueira mental em que a humanidade se encontra.
O fato de a cegueira ocorrer repentinamente e sem qualquer causa aparente ou
anterior causa perplexidade no leitor, retirando-o do seu estado de conforto e fazendo-o
pensar se também não se encaixa no perfil de um ser humano acometido pela cegueira,
no caso, mental. Isso faz o leitor refletir sobre as possíveis formas de cegueira a que o
homem está sujeito e, sobretudo, meditar ainda sobre “a responsabilidade de ter olhos”
(Saramago 1995, p. 241), ou seja, o dever de se comportar como um ser pensante e
reflexivo . Pois, muitas vezes, diante das crueldades humanas, prefere-se não ver ou
fingir-se de cegos para se escusar das responsabilidades frente ao mundo em que se
vive.
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