Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 929

ajudava todos em todas as tarefas corriqueiras, como ainda encontrava forças para ler
para os outros cegos, tentando conforta-lhes a alma: “sentaram-se a ouvir ler o livro, ao
menos o espírito não poderá protestar contra a falta de nutrimento” (Saramago 1995, p.
306).
Conclui-se que todo o percurso traçado pelas personagens revela a ambiguidade
em que está inserido o homem, com o progresso a sua volta e, muitas vezes, vazio de si
mesmo, de conteúdo e de sabedoria; afinal, foi preciso cegar para se ver, foi preciso não
ver para se ter clareza e consciência da vida, do outro, do mundo, dos fatos.
Sendo assim, a obra, de certa forma, também pode ser pensada pelo viés da
busca da lucidez por meio da reflexão sobre o estar no mundo e, de fato, repará-lo.
Assim, pode ser considerado um ensaio que “é a restituição literária da fluidez do
mundo e da existência” (Pinto 1998, p. 35).
É nesse sentido que o romance em questão se encaixa em um projeto de pesquisa
mais abrangente em que se busca abordar questões sobre a construção poética, o fazer
artístico e literário, as discussões a respeito dos limites tênues existentes entre os
gêneros literários, ocupando-se, para isso, da diferença entre romance e ensaio, dentro
da ficção saramaguiana.
Ao se ler as narrativas de Saramago, percebe-se que o romance é um tipo de
texto que incorpora outros discursos, sejam eles jornalísticos, poéticos, filosóficos,
rompendo com divisões tradicionais e limitadoras, buscando com isso o enriquecimento
textual por meio da intertextualidade, metalinguagem e alegoria. Entende-se que tal
ruptura só é possível de se concretizar porque é dentro do gênero romance que se dá a
abertura para a assimilação de outras formas de expressão literária, inclusive, até
mesmo, o caráter de ensaio.
Referências Bibliográficas
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