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política, economia, comportamentos sociais – eles também possuíam vida particular.
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Assim, dentro da Semana Ilustrada foi realizado, por exemplo, o casamento do
Moleque que tratou da vida que levava com a esposa, Dona Negrinha, e os momentos
que partilhavam a sós. Fleiuss deu vida aos personagens nas páginas de seu
periódico ilustrado.
Segundo Laura Nery, o sábio europeu de cabeleira branca e seu ajudante
escravo apresentavam visões ambíguas, ora reafirmando o paternalismo branco, ora
desferindo críticas agudas à sociedade, “alcançando efeitos satíricos ainda pouco
apreciados”. (NERY, 2011b, p. 66). Dessa forma, a dupla representou, de maneira
caricatural e por dezesseis anos, a relação entre um senhor e um escravo, um branco
e um negro, dentro de uma revista que circulou num período em que a escravidão
começou a ser questionada. Devido à riqueza da fonte/objeto, que entrecruza
patriotismo, hierarquia, escravidão, distinções sociais, raciais e humor, acredita-se no
seu potencial analítico para compreensão do período.
Assim sendo, a pesquisa tem por objetivo mapear, de forma sistemática, os
temas e diálogos travados pelos personagens Moleque e Dr. Semana e identificar as
construções humorísticas presentes nas cenas, sempre em articulação com o contexto
da época. Vale destacar que o trabalho exige paciente reconstrução do período, para
que se possa compreender os possíveis sentidos assumidos pelas mensagens que a
revista veiculava por meio de seus representantes. Segundo Isabel Lustosa, “o humor
da caricatura depende da familiaridade do observador [contemporâneo] com o tema”
(LUSTOSA, 2007) o que, nesse caso específico, permite entrever e analisar valores e
crenças compartilhados entre a sociedade imperial brasileira e as personagens.
Os questionamentos teóricos sobre o humor, assim como as abordagens
relativas ao caso brasileiro estão entre as preocupações da pesquisa que, espera-se,
possa trazer novos pontos de vista sobre essa questão, bem como a respeito do
período estudado. Em suma, trata-se de um estudo sobre o humor oitocentista e como
esse foi articulado na presença da personagem negra, em tempos nos quais o racismo
estava presente no
regime de verdade
daquela sociedade.
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Essas informações foram possíveis devido à iniciação científica dentro do projeto de
pesquisa
As imagens do Brasil nas revistas de charges e caricaturas do século XIX e XX
,
financiado pelo CNPq/PIBIC e coordenado pela Profª Drª Tania Regina de Luca e Profª Drª
Silvia Maria Azevedo.
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Segundo Michel Foucault (1979, p. 12): “Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua
‘política geral’ de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como
verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados
verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros: as técnicas e os
procedimentos que são valorizados para obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o
encargo de dizer o que funciona como verdadeiro”.