22
amenizar a violência inerente ao sistema escravista, entendendo que só o
paternalismo, a dependência do negro em relação ao branco e a proteção do branco
para com o negro, seria capaz de produzir a boa convivência entre explorador e o
explorado.
Karen Fernanda de Souza e Laura Nery identificaram as potencialidades do
periódico de Henrique Fleiuss e de suas caricaturas para entender o Segundo Reinado
e os dilemas de uma elite que aspirava ser progressista e europeia, mas que não abria
mão de seus escravos. Ambas trabalharam de perto com as figuras do Dr. Semana e
do Moleque: a primeira analisou as relações da revista com o Estado, a ideologia do
paternalismo e o impacto na publicação da chegada das teorias raciais na década de
1870; enquanto Nery interpretou o estilo de humor e crítica praticado nas caricaturas
da Semana Ilustrada. Todavia, ainda não se conta com trabalho que priorize a
formação, atuação e trajetória da dupla Moleque e Semana e que, valendo-se do
instrumental teórico demandado por essa fonte, aprofunde a análise crítica a respeito
dos aspectos culturais e políticos das personagens e questione os sentidos do riso
proveniente da interação entre Dr. Semana e Moleque, compartilhado com o público
de uma sociedade senhorial e escravista.
Luis Felipe Alencastro indica que, em 1849, o Rio de Janeiro tinha “a maior
concentração urbana de escravos existente no mundo desde o final do Império
romano: 110 mil escravos para 266 mil habitantes” (ALENCASTRO,1997, p. 24). Em
1850, extinguiu-se o tráfico negreiro e, um ano antes, já se iniciara, a imigração
lusitana, mas a cidade ainda possuía uma população negra muito significativa, na
proporção de seis brancos para quatro negros (ALENCASTRO,1997, p. 59). Na
mesma direção, o censo de 1852 indicava que “64,5% dos trabalhadores empregados
nos 1013 estabelecimentos artesanais e industriais do Rio eram escravos [...]”
(CHALHOUB, 1990, p. 200). No olhar do viajante Luccock:
Antes das dez horas da manhã, não havia homens brancos nas ruas,
somente escravos (alguns forros) nos trabalhos e entregadores,
saíam a recados ou levavam à venda, sobre pequenos tabuleiros,
frutas, doces, armarinhos [...] Todos eles eram pretos, tanto homens
como mulheres, e um estrangeiro que acontecesse de atravessar a
cidade pelo meio dia quase que poderia supor-se transplantado para
o coração da África (LUCCOCK, 1975 apud KOSSOY, 1994, p. 110).
O que se vê pelos olhos do viajante é o estabelecimento da escravidão no
cenário urbano e a formação, segundo Sidney Chalhoub, da “cidade negra”, que
implicava numa rede de práticas cotidianas que se transformavam em políticas, na
medida em que minavam as bases da escravidão, pautada na relação pessoal entre
dominador e dominado (CHALHOUB, 1990, p. 186). Mais do que pensar numa