A escrita historiográfica, seus protocolos e fontes - page 23

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liberdade ancorada em construções elitistas, os subalternos passaram a compor essa
cidade-negra-esconderijo, via alforrias condicionais, pagamentos de jornal e outras
que asseguravam a possibilidade de morar fora da casa e dos olhos do senhor
(CHALHOUB, 1990, p. 238-244). “A cidade que esconde é, ao mesmo tempo, a cidade
que liberta” (CHALHOUB, 1990, p. 215).
Essa condição, que também se constituía em símbolo de liberdade, era
designada pelos contemporâneos como o “viver sobre si”, expressão muitas vezes
usada em processos judiciários, no qual a condição de liberto era discutida
(CHALHOUB, 1990, p. 238). Verifica-se que o “viver sobre si” implicou em importantes
mudanças na articulação social, econômica e cultural do sistema escravista durante o
século XIX. Principalmente depois da aprovação da Lei do Ventre Livre, quando a
burocracia estatal intervém na relação privada de posse entre senhor e escravo, vários
direitos conquistados pelos dominados passaram a ser leis, e, assim, os privilégios
sobre a propriedade escravista deixaram de ser as mesmas, visto que, exclusividade
de libertar já não mais estava só nas mãos dos senhores (CHALHOUB, 1990, p. 157-
161).
É importante ter em vista estas alterações, pois as personagens atravessaram
diferentes momentos do escravismo, desde o período marcado por relações de cunho
paternalista, passando pela crise do sistema (1866/1871) e sua decadência (década
de 1870 em diante), contextos que não podem ser abstraídos. (CHALHOUB, 1990, p.
41).
Foi também nos anos 1870 que as teorias raciais cientificistas passaram a ser
debatidas e apropriadas ao contexto social brasileiro.
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O século XIX assistiu à
proliferação e difusão dessas teorias, que se não foram inventadas nesse momento,
entraram na ordem do dia numa Europa que se expandia pelos quatro cantos do
planeta As características físicas passaram a jogar papel importante na distinção entre
povos inferiores e superiores, ou para definir os indivíduos degenerados. Vários
pensadores formulavam novas apreensões sobre as desigualdades do gênero
humano e Henrique Fleiuss, formado em Ciências Naturais na Europa, possivelmente
estava à par da questão.
Enquanto Rousseau (1712/1778) elegeu o selvagem americano como
moralmente superior ao homem ocidental, que teria sido corrompido pela sociedade, o
naturalista francês Buffon (1707/ 1788) construiu imagens negativas dos não
europeus, que foram retomadas pelo jurista Cornelius de Pauw, para quem os
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Na verdade, no final dos anos 1870 “já podem ser encontradas certos grupos intelectuais,
crescentemente congregados nos diferentes institutos de pesquisa”. (SCHWARCZ, 1993. p.
31).
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