A escrita historiográfica, seus protocolos e fontes - page 25

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liberto. Fazendo alusões a personagens reais ou tipos sociais reconhecíveis, ou seja,
estereótipos,
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o humor gráfico capta, por vezes, o não-dito e o oculto.
Isabel Lustosa e Elias Tomé Saliba, especialistas no tema, identificaram no
humor histórico brasileiro características do viés emocional personalista de uma
sociedade brutalmente hierarquizada, na qual predominam relações afetivas em lugar
dos ditames legais.
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Ambos fizeram referências à noção de cordialidade do brasileiro,
desenvolvidas por Sérgio Buarque de Holanda (1969) ao tratarem do humor que
imperou na imprensa brasileira. Lustosa, no seu estudo sobre os presidentes,
percebeu que nem entre os mais autoritários, como Floriano Peixoto e Getúlio Vargas,
“chegaram a ser massacrados pelo humor, que foi geralmente cordial” (LUSTOSA,
2006, p. 291). Já Saliba, que se debruçou sobre as décadas iniciais do século XX,
identificou o “conteúdo emocional”, articulado ao imaginário coletivo, que lidava com
as raízes do horror às distâncias e às abstrações sociais.
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O autor argumenta, ainda, que a produção humorística na imprensa brasileira
do início do século, que participou do processo de formação do imaginário nacional,
não esteve compromissada com projetos de longo prazo, na medida em que agiu na
destruição e desmistificação de tipos e estereótipos (SALIBA, 2002, p. 32) Logo, o
século XIX é apreendido por certa falta de intimidade com o riso ligeiro e
circunstancial; o cômico era, segundo o historiador, desprezado pela cultura culta e
constantemente associado ao degradante, agressivo, obsceno, escatológico. Quando
aceito, esteve enquadrado nos moldes literais do romance e do drama, há reforçar o
modelo ocidental do “bom riso” e “mau riso” (SALIBA, 2002, p. 43).
Porta vozes da revista, Dr. Semana e o Moleque apareciam em lugares
reconhecíveis da Corte: nas ruas, praças, estabelecimentos públicos e privados. O
humor estava nos diálogos, nos quais se comentavam grandes acontecimentos do
momento, e basta lembrar que, enquanto a revista circulou, ocorreu a Guerra do
Paraguai, a Lei do Ventre Livre e a questão da Abolição tornou-se tema dos mais
cadentes. A publicação também tratava de fatos corriqueiros do cotidiano, problemas
de infraestrutura enfrentados pelos habitantes da Corte, personagens importantes do
mundo da política e da cultura, mas também questões filosóficas, escravidão e um rol
muito amplo de temáticas. Aspecto interessante é o fato de os protagonistas também
debateram seus próprios problemas, pois, além de discutir assuntos públicos –
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Construídos na trama da vida cultural e cotidiana, como forma de organizar a realidade, aos
estereótipos são atribuídos “traços de um grupo a um princípio subjacente, transformando o
valor heurístico em essência”. (VELOSO, 2011, p. 371).
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Tema muito discutido por Roberto Da Matta (1979).
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Ver: (SALIBA, 2002, p. 303).
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