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A visão desses estudiosos sobre o que era uma boa caricatura relacionava-se
com concepções políticas e ideológicas do momento histórico então vivido. A
qualidade ou não de uma caricatura dependia do posicionamento político. Esperava-se
que o traço carregasse o máximo possível de oposição ao Estado Burguês, ou
qualquer regime político não democrático. Assim, o contexto vigente garantiu
simpatias para as caricaturas de Ângelo Agostini, que investiam contra o Estado
Imperial, e enxergou Henrique Fleiuss como produtor de uma arte reacionária, que
teria usado a figura do Moleque para pregar em favor da escravidão. No entanto,
novos estudos sobre a revista colocaram outros questionamentos, que permitiram
realizar outras leituras de Fleiuss e sua produção.
Segundo Nery, sofisticada graficamente e contando com escritores muito
renomados como Machado de Assis, as páginas da revista traziam, de forma crítica e
humorística, práticas da sociedade fluminense, denunciavam o descaso dos políticos
com a capital do Império e com os serviços públicos. O objetivo pedagógico patriótico
também estaria presente, por exemplo, na grande campanha de apoio à vitória na
Guerra do Paraguai e à aprovação da Lei do Ventre Livre (NERY, 2011b, p. 66
).
Para Karen Fernanda de Souza, a relação entre Dr. Semana e Moleque
vinculava-se a um projeto ideal de convívio entre escravos e senhores. A autora
refere-se aos levantes de escravos contra a opressão de seus corpos, ocorridos nas
décadas de 1850 e 1860, mas, à Guerra Civil norte-americana, enfim aos temores em
relação aos perigos do sistema escravista, então um dado do cotidiano. A abolição
gradativa, por sua vez, apresentava-se como uma das soluções possíveis, o que não
impedia que se apostasse numa relação mais harmoniosa entre dominador e
dominado, na qual a violência dos castigos fosse suprimida, com o que se julgava ser
possível amenizar o ímpeto revoltoso dos escravizados.
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Dessa forma, a escolha das
personagens da revista e o tipo de relacionamento que entabulavam expressaria as
características moralizantes e cívicas do periódico, que difundia, em suas páginas,
visão harmônica e passível de aperfeiçoamento entre brancos e negros, constituindo-
se em exemplo edificante para os seus leitores (SOUZA, 2007, p. 83). Assim, a autora
identificou, nas crônicas e caricaturas da Semana, a ideologia do paternalismo,
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segundo a qual os redatores do periódico apostavam nessa estrutura de poder para
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O tema é desenvolvido em: (AZEVEDO, C., 2008).
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Sidney Chalhoub (2003, p. 47) esclarece que o paternalismo “trata-se de uma política de
domínio na qual a vontade senhoril é inviolável, e na qual os trabalhadores e os subordinados
em geral só podem se posicionar como dependentes em relação a essa vontade soberana.
Além disso, e permanecendo na ótica senhorial, essa é uma sociedade sem antagonismos
sociais significativos, já que os dependentes avaliam sua situação apenas na verticalidade, isto
é, somente, a partir dos valores ou significativos sociais gerais impostos pelos senhores, sendo
assim inviável o surgimento das solidariedades horizontais características de uma sociedade
de classes”.