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passagem da ciência das religiões para a história das religiões e, por conseguinte, na
emergência e desenvolvimento das ciências humanas na França (NAHUM, 2012).
Próximo do final da folha de rosto, com os irmãos livreiros e editores Michel
Lévy, colocam-se outras questões a respeito das fontes e do recorte temporal da
pesquisa. Como compreender que a maior parte dos textos de Renan entre 1848 e
1863 esteja em periódicos? O ano de 1863 talvez marque uma diferença. Pois a partir
daí, duas coleções, uma a respeito da história do cristianismo e outra a respeito da
história do povo de Israel
xvi
, parecem construir outra identidade para este autor: a de
historiador de grandes livros a respeito de religiões. No prefácio de
L’avenir de la
Science
, obra publicada somente em 1890 mas geralmente considerada como fonte
de pesquisas para o início da carreira de Renan por conta de sua possível data de
escrita (1848-1849), o autor significa desta forma suas histórias do cristianismo: “[...]
minhas
Origens do cristianismo
especialmente, por vinte e cinco anos, não me
permitiram pensar em outra coisa” (RENAN, 1890. p. V).
A respeito desta diferença que problematiza contribuindo para a delimitação da
margem final da pesquisa, gostaria de inserir dois comentários. O primeiro se refere ao
livro inicial das “longas”
Origines du christianisme
, e chega em bom momento para um
texto que discute algumas das muitas facetas do trabalho documental. Na introdução
de
Vie de Jésus
, ou “onde se trata principalmente das fontes desta história” como é o
subtítulo, existe uma instigante discussão em torno de um “documento”. Para além dos
quatro evangelhos do novo testamento, fontes “naturalmente” fundamentais para uma
história do cristianismo, segundo Renan, “nascia” um “quinto evangelho”:
Toda essa história que, à distância, parece flutuar nas nuvens de um
mundo sem realidade, adquiriu assim um corpo e uma solidez que me
assombraram. A admirável concordância dos textos e dos lugares, a
maravilhosa harmonia do ideal evangélico com a paisagem que lhe
serviu de moldura, foram para mim como uma revelação. Eu tive
diante dos olhos um quinto evangelho, lacerado, mas legível ainda
[...] (RENAN, 1863b. p. LIII, tradução nossa).
xvii
Como uma missão, prática compartilhada por diversos estudiosos do século
XIX, pôde servir para esta escritura da história? A realidade que uma viagem, uma
visão, pôde oferecer à história parece ter ora assombrado, ora maravilhado o escritor
desta
Vida de Jesus
. Mas como esta “revelação” fez “ver” o nascimento de um “quinto
evangelho”, de um novo “documento”?
As relações dos atos de “ver” e “ouvir” com o fazer historiográfico não são tão
novas
xviii
. Para Tucídides, o iniciador de uma história “verdadeira”, a prática da
autópsia (o ato de ver por si mesmo) deveria ser central na metodologia histórica
xix
.