A escrita historiográfica, seus protocolos e fontes - page 37

37 
Xenofonte teria apresentado certa continuidade com a proposta de Tucídides.
Enquanto isso, segundo Políbio, experimentar e praticar a autópsia seriam os ideais
do historiador
xx
.
Contudo, o ato de viajar, experimentar não foi privilégio dos antigos. Para
muitos autores do XVIII e XIX – dentre outros, Chateaubriand, Goethe, Michelet e
Ranke - viajar seria imprescindível. Os relatos dessas “aventuras” apareceriam muitas
vezes como demonstração da verdade, de realidade, de algo que o autor viu;
passaram a ser utilizados até como documentos históricos
xxi
. A própria descrição de
Renan ampara a construção de algumas convergências:
A missão científica que teve por objeto a exploração da antiga
Fenícia, que dirigi em 1860 e 1861, levou-me a residir nas fronteiras
da Galileia, e a viajar frequentemente nesse país. Eu atravessei em
todos os sentidos a província evangélica, visitei Jerusalém, Hebron e
Samaria; não me escapou quase nenhuma localidade importante da
história de Jesus (RENAN, 1863b, tradução nossa).
xxii
As referências em primeira pessoa expressam a necessidade de se colocar
como o historiador que viu. Só foi possível que, assim como uma “revelação”, a
história e estes homens do passado tomassem “realidade” e “solidez” por meio do
“residir”, do “atravessar em todos os sentidos”, do “não ter deixado nenhum lugar
escapar”. Assim, o livro resultaria também desse “estar lá”, dessa “proximidade”
presente com o passado:
Durante o verão, tendo necessitado de subir a Ghazir, no Líbano,
para repousar um pouco, eu
fixei
em traços rápidos a imagem [assim
como um pintor impressionista] que me aparecera, e resultou daí esta
história. [...]. Deste modo, todo o livro foi composto muito perto dos
lugares onde Jesus nasceu e se desenvolveu (RENAN, 1863b,
tradução e grifo nosso).
xxiii
Falta explicitar a forma como Renan foi “surpreendido” por tal “revelação”. E é
aqui que o nome de um autor “cultuado” por parte da historiografia oitocentista volta à
tona: Tucídides
xxiv
. Segundo o autor francês, um “grande manancial de luzes” foi
somado à leitura dos textos (dos evangelhos) com a visão dos lugares dos
acontecimentos passados. Abria-se desse modo um “quinto evangelho” da harmonia
entre os testemunhos documentais e os locais visitados. “Junto” a Renan, Tucídides
teria demonstrado que se o olhar seria essencial para a escrita da história
“verdadeira”, a visão deveria passar pelo “filtro” da crítica dos testemunhos
xxv
.
Segundo François Hartog, em Tucídides, o saber deveria fundamentar-se
1...,27,28,29,30,31,32,33,34,35,36 38,39,40,41,42,43,44,45,46,47,...180
Powered by FlippingBook