A escrita historiográfica, seus protocolos e fontes - page 38

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[...] na autópsia e ser organizado com base nos dados que ela
fornece. Dos dois recursos do conhecimento histórico, o olho (
opsis
)
e o ouvido (
akoe
), o primeiro unicamente pode conduzir a uma visão
clara e distinta (
saphoseidenai
). Mas com a condição de ser utilizado
adequadamente: a autópsia não é um dado imediato, convém filtrá-la
por um verdadeiro procedimento de crítica dos testemunhos para
estabelecer os fatos com tanta exatidão quando for possível
(HARTOG, 2011, p. 64).
A partir deste pequeno comentário, duas “observações” acerca da prática
tratada e de seus desdobramentos em
Vie de Jésus
. Primeiramente, torna-se
importante ressaltar a relevância da alusão à viagem e a carga de realidade e verdade
contida nesta. Desse modo, esta primeira apreciação incide na proeminência de tal
experiência para a cultura historiográfica oitocentista, assinalando um ponto de
legitimação desta história. Em segundo lugar, uma indagação a partir do já exposto: se
um dos problemas centrais para os estudiosos do cristianismo deste momento era o
caráter “lendário” e “irreal” das “notícias” contidas nos evangelhos, até que ponto o
“quinto evangelho” de Renan não surge como proposta de solução teórico-
metodológica para esta área de estudos?
O segundo comentário a respeito da diferença justificatória do recorte final da
pesquisa acrescenta três datas e outro tipo de fonte. Primeira data, 11 de janeiro de
1862, após a volta de Renan da missão à Fenícia
xxvi
, Renan é nomeado por decreto
professor titular da Cátedra de línguas hebraica, caldeu e siríaco do
Collège de
France
xxvii.
21 de fevereiro de 1862, data do discurso intitulado “De la part des peuples
sémitiques dans l’histoire de la civilisation” marcando a abertura do curso de Renan
nesta instituição (RENAN, 1862). Talvez seja necessário destacar aqui um dos
aspectos para o estudo de discursos e pronunciamentos, ou seja, sua recepção
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2009, p. 223-250). Pois, a terceira data, 26 de fevereiro de
1862, apenas cinco dias após a aula inaugural, uma das leituras deste discurso talvez
desejasse apagar, com seu brilho proibitivo, outras possíveis recepções. Por sentença
do ministério da instrução pública o curso de Renan era suspenso até nova ordem.
“[...] Sr. Renan expôs doutrinas que insultam as crenças cristãs e que podem levar a
lamentáveis agitações [...]”
xxviii
e seria reintegrado ao
Collège de France
somente em
1869. Possivelmente a caracterização renaniana de Jesus como “un homme
incomparable” não agradou (RENAN, 1862, p. 23). Como abordar tal assunto sabendo
que nos meses seguintes Renan levaria a polêmica para alguns periódicos?
Enfim, neste texto de uma grande e única certeza – a de que está repleto de
dúvidas – inscrevo para concluir uma questão para além da presente pesquisa, mas
que também a toca. Posto que desde o título deste texto aproveitei o duplo sentido da
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