Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 581

Como o monologismo tenta obliterar a voz do outro, é pela análise sintática e
semântica que a multiplicidade de vozes ‘apagadas’ pela orientação monológica pode
vir à tona. A essa multiplicidade de vozes, a análise do discurso denominou
heterogeneidade, baseada na ideia de que a linguagem é tecida a partir do discurso do
outro, que é o ‘exterior constitutivo’, o ‘já-dito’ sobre o qual qualquer discurso se
constrói. Isso quer dizer que o discurso opera sobre outros discursos, atravessados,
habitados pelo discurso do outro. Por isso, a fala é constitutivamente heterogênea. Sob
a palavra, há outras palavras. A palavra do outro é condição de constituição de qualquer
discurso.
Essa condição heterogênea de constitutividade, porém, muitas vezes não está
explicitamente mostrada no fio do discurso, porque não revela a alteridade, o outro, na
sua manifestação, quando não vem marcada linguisticamente por aspas, por travessões,
negação, etc, marcas objetivas da presença do outro. Como é possível, então, perceber
essa presença? Nesse ponto, recorremos à memória discursiva de uma dada formação
social. É ela que nos ajuda a entender os pontos de vista múltiplos sobre uma dada
realidade, pois pela apreensão dos diferentes discursos que circulam numa formação
social, em que há grupos de interesse divergentes, observamos as relações polêmicas
entre as diversas vozes. É ainda pela memória discursiva que saberemos o que uma
determinada época pôde dizer devido a certos arranjos entre o discurso e condições não-
discursivas (Foucault, 1987, p. 51).
Para tanto, será necessário inscrever esse discurso na história, o que não
significa relacioná-lo mecanicamente com este ou aquele aspecto ou acontecimento da
vida social, alerta que Bakhtin faz quando critica o ideologismo. Desenvolver uma
análise com a preocupação de inscrever o seu objeto na história significa levar em conta
a historicidade discursiva, o que significa estudar as condições de aparecimento do
enunciado.
A análise enunciativa só pode se referir a coisas ditas, já que as analisa ao nível de sua
existência (...) é, pois, histórica, mas que se mantém fora de qualquer interpretação. A
elas não se pergunta o que escondem e o que nelas estava dito e o não dito que
involuntariamente recobrem (...) mas, ao contrário, de que modo existem, o que
significa para elas o fato de terem se manifestado, de terem deixado rastros e, talvez, de
permanecerem para uma reutilização eventual; o que é para elas terem aparecido e
nenhuma outra em seu lugar (Foucault, 1987, p. 126).
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