justamente pelo fato de o homem ser livre e submisso ao mesmo tempo. Submetido à
ordem do discurso, ele os repete, condicionado que está aos saberes já constituídos
milenarmente. Eni Orlandi aborda a questão segundo o entendimento de C. Haroche:
C. Haroche (1987) mostra-nos que a forma- sujeito do discurso religioso, característica
da Idade Média, representou uma forma- sujeito diferente da forma- sujeito jurídico.
Com a transformação das relações sociais, o sujeito teve de tornar-se seu próprio
proprietário, dando surgimento ao sujeito de direito, com sua vontade e
responsabilidade. A subordinação explícita do homem ao discurso religioso dá lugar à
subordinação, menos explícita, do homem às leis: com seus direitos e deveres. Daí a
ideia de um sujeito livre em suas escolhas, o sujeito do capitalismo. A crença na Letra (
submissão a Deus) dá lugar à crença nas Letras (submissão ao Estado e às Leis). Crença
nas cifras, na precisão, sustentada pelo mecanismo lógico. Essa é uma submissão, diz a
autora (idem), menos visível porque preserva a ideia de autonomia, de liberdade
individual, de não- determinação do sujeito. É uma forma de assujeitamento mais
abstrata e característica do formalismo jurídico, do capitalismo (ORLANDI, 1999, p.
51).
O sujeito de direito é efeito de uma estrutura social bem determinada: a
sociedade capitalista. Mas se há determinação do sujeito, há, ao mesmo tempo,
processos de individualização do sujeito pelo Estado. Esse processo é fundamental no
capitalismo para que se possa governar. Não é difícil encontrar exemplos desse processo
nos discursos do material produzido para a disciplina Empreendedorismo, quando se
referem ao trabalho: "...A educação para o empreendedorismo visa estimular a cultura
empreendedora desenvolvendo a sensibilidade individual para a percepção de
oportunidades"..." A qualidade do ensino deverá estar relacionada com as necessidades
individuais de cada estudante"... "Com a empregabilidade, você é dono de sua
carreira"..." Fracasso ou sucesso estão ambos em nossas mãos"..."Necessidade de
realização é a necessidade de conquistar pelo esforço próprio e obter êxito em enfrentar
desafios". "Abandone o paternalismo nas relações com os alunos. Estes devem buscar
sozinhos os conhecimentos
de que necessitam
.
É assim que faz o empreendedor na vida
real" (SEBRAE, 1998)
5
.
Submetendo o sujeito, mas, ao mesmo tempo apresentando-o como livre e
responsável, o assujeitamento se faz de modo a que o discurso apareça como
instrumento límpido do pensamento e um reflexo justo da realidade. Na suposta
transparência da linguagem, são as ideologias que fornecem as evidências que apagam o
caráter material do sentido e do sujeito. A palavra dita adquire desse modo o sentido da
5
O Cefet/Curitiba utiliza a apostila do SEBRAE para desenvolver as aulas de Empreendedorismo. (E.
Médio)