Anais do 1º Colóquio Internacional de Texto e Discurso - CITeD - page 584

aceita como ‘natural’, é preciso deixar acreditar que esse trabalho não obedece a
nenhum outro imperativo que não o das regras do jogo aceitas por todos. Assim,
entregando as rédeas do poder nas instituições aos homens qualificados (se levarmos em
conta o processo de escolha atual dos dirigentes de instituições federais, podemos dizer
que são, via de regra, aqueles que nunca deixaram de partilhar, explícita ou
implicitamente, uma visão de mundo coincidente com a dos governantes) o mecanismo
de adesão, explícito ou não, garante a concepção monológica de mundo (e dos
problemas do mundo). Esse mecanismo começa a funcionar no seio familiar e
prossegue vida afora (passando pela Igreja e pela Escola). Mas é interessante observar
que isso só é possível pelo fato de o processo de significação ser aberto, o que lhe dá a
possibilidade de ser regido, administrado, determinado, cristalizado, sem parecer que o
foi. É justamente a sua abertura que lhe dá essa possibilidade.
Desse modo, a Instituição sente-se amparada por uma rede de relações que
estabelece que se deve trabalhar ‘como se deve’, ou seja, em defesa dos valores do
modelo hegemônico. É preciso insistir, entretanto, no fato de que a eficácia de tal
sistema repousa fundamentalmente na ideia do esquecimento: os agentes se acreditam
fontes de seu dizer e a sinceridade e a espontaneidade de que se investem carrega uma
dose de automistificação: sujeito que é fonte de seu dizer é o criador do Universo,
portanto, é Deus. Os discursos sobre o trabalho e o empreendedorismo analisados
mostraram a dificuldade de se estabelecer entre eles e o mundo que os rodeia uma ponte
que permitisse dialogizá-los, uma vez que se limitam ao monologismo, ou ao
pensamento único. Mas é preciso novamente ressaltar a boa-fé com que realizam seus
discursos - ou o seu trabalho. Uma vez tendo assimilado perfeitamente a ‘lógica’ do
sistema, eles aceitam livremente aquilo em que são "obrigados" (pela rede de relações) a
acreditar. Agem de forma orquestrada, sem necessidade de serem orquestrados ou de se
orquestrar. De inspiração monológica, sua identidade torna desnecessário qualquer
direcionamento.
A crença fundamental dessa orientação monológica de entendimento do mundo
é o que os faz acreditar no capitalismo com face humana e a certeza absoluta de que
não há nessa crença se não valores universais. Mas face humana não necessariamente
quer dizer que o capitalismo tenha benevolência com os seres humanos, pois a face
humana também pode se mostrar terrível. Como ocorre com atores de todos os campos
sociais, a visão dos dirigentes se caracteriza por uma mescla de doses variadas de
lucidez e ceticismo, de visto e não-visto, ou entrevisto. Conseguem ver com clareza, por
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