religiosa, política, jurídica, jornalística). É a essa interanimação que Bakhtin vai chamar
de heteroglossia dialógica.
Mas apesar dessa constatação, a mudança de uma consciência unicentrada, tal
como se apresentava no unilingüismo fechado e obtuso, a que ele denominou
consciência ptolomaica de mundo, para uma consciência galileana ou consciência da
diversidade das línguas que há no mundo, não se apresenta como algo fácil de
acontecer, justamente porque não é apenas uma ‘mudança’ de ‘a’ para ‘b’, mas uma
relação estabelecida entre língua, ideologias e visões de mundo, em condições sócio-
históricas definidas. Não basta apenas aderir a modos de dizer que levem em
consideração a ‘guerra discursiva’ em que estamos inseridos, se a vontade de verdade
permanece conosco. Assim, numa sociedade como a nossa em que a regulação é a
norma, a consciência ptolomaica de mundo ajuda a generalizar universalizações,
valores, tradições e formas autoritárias de dominação cultural.
A construção da identidade serve-se também do mesmo princípio para excluir
todo aquele que não esteja adequado aos parâmetros tidos como universais: sexo, idade,
etnia, religião, nacionalidade, etc... são também esquadrinhados, normalizados,
expurgados, controlados, vítimas do mesmo entendimento redutor e monológico da
vida. Em nome dele, muitas vezes excluímos o diferente por não corresponder às
categorias universalmente aceitas, assim como no século XVIII o louco foi distinto do
não louco, o normal do anormal, o delinquente do inocente. Hoje, no mundo do
trabalho, vemos o discurso da gerência aparecer, entendido por Stephen Ball, citado por
SILVA, como imperialista, uma vez que vê o mundo social como “preso num caos
irracional, necessitando ser trazido a uma ordem redentora” (1996, p. 263). Para tanto,
constrói sua superioridade através de um conjunto de poderosas oposições: a ordem
contra o caos, a racionalidade contra a irracionalidade, a eficiência contra a ineficiência,
a meritocracia contra a influência pessoal. Esse discurso da gerência oferece, segundo
Ball, a racionalidade e a eficiência para promover o controle sobre os trabalhadores. É
uma tecnologia moral, uma tecnologia política, que exclui todo aquele que não se
adequar aos ‘parâmetros’ consagrados. Por isso, deixa de fora outras formas de entender
o mundo, como constata Placer:
Que vidas, que formas de estar no mundo tivemos que evacuar para poder desenvolver,
sobre nós e sobre os demais, um olhar tão envaidecido como aquele que quer embutir,
categorizar, identificar, e diferenciar tudo? Que formas de sabedoria, de contemplar e
perceber, de ignorar e conhecer, de horrorizar-se e maravilhar-se, de ir e vir..., foram
afogadas nessas patrulhas pelo mundo e pela vida à caça e captura da identidade e da